domingo, 6 de abril de 2025

Quando um elefante cai

Na minha última coluna chamei a atenção para a extraordinária ironia histórica que estamos testemunhando — a possibilidade de os Estados Unidos deixarem de ser um país de imigrantes, para se transformarem num país de emigrantes.

A partir do Salão Oval, na Casa Branca, Donald Trump vem arquitetando um gigantesco desastre político, social, diplomático e econômico, que ameaça a democracia, despreza a Justiça, hostiliza os imigrantes, e aterroriza os mercados. Como resultado, cresce o número de cidadãos pensando em emigrar.

A ciência tem sido das áreas mais atingidas pela criativa insensatez do novo governo de extrema direita. A acreditar num inquérito divulgado pela revista científica Nature, três em cada quatro cientistas americanos, ou estrangeiros radicados no país, ponderam abandoná-lo nos próximos meses.

Durante longas décadas os EUA se beneficiaram da instabilidade prevalecente noutros territórios para recrutarem cientistas, e assim desenvolverem os seus centros de pesquisa e de saber. Chegou a hora da vingança.

Instituições científicas europeias, mas também chinesas e indianas, estão articulando estratégias para atrair os cérebros descontentes. Nas revistas científicas prosperam os anúncios de emprego, provenientes de universidades europeias, e que prometem aos investigadores liberdade acadêmica e um ambiente de trabalho no qual eles não terão de se preocupar com censura e interferência política.

Operando no interior do extravagante caos deflagrado por Trump, e esforçando-se por lhe dar alguma coerência ideológica, estão movimentos ligados ao fundamentalismo cristão e ao supremacismo branco. Para esses movimentos, a academia é o inimigo. A ciência é o inimigo.

A ciência, já se sabe, prefere a democracia. Precisa de liberdade. Ainda assim, consegue prosperar em ambientes totalitários, desde que estes respeitem a racionalidade científica — a lógica cartesiana. É o caso da China, país que, embora sujeito a um sistema de partido único, de inspiração marxista, se vem afirmando como a grande potência tecnológica do nosso tempo. Já em teocracias violentas, como a que temos hoje no Irã ou no Afeganistão, e, pelo andar da carruagem, teremos em breve nos EUA, é muito difícil alcançar avanços científicos relevantes.

A ofensiva do governo Trump contra as instituições de pesquisa, universidades, museus, e outros centros de produção de conhecimento, é uma tragédia para os americanos, que serão rapidamente ultrapassados na corrida tecnológica — inteligência artificial, engenharia genética, energias limpas ou computação quântica.

Estamos assistindo ao vivo ao colapso americano. Espero que o espetáculo sirva como alerta global para os perigos da direita selvagem, que pretende substituir o pensamento científico pelo religioso; a diplomacia pelo bullying; o livre comércio pela agressão predatória.

Quando um elefante cai levanta muita poeira. Depois a poeira assenta e a vida continua.
José Eduardo Agualusa

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