domingo, 6 de abril de 2025

A guerra comercial de Trump contra a realidade

O Dia da Libertação é um nome oportuno para a política do presidente Donald Trump de impor novas tarifas massivas sobre produtos de todo o mundo. Ele considera os EUA uma colônia vitimizada, explorada por outros países que lhes roubaram empregos, indústrias e dinheiro. “Nosso país e seus contribuintes foram enganados por mais de 50 anos”, disse ele ao anunciar seus planos, na quarta-feira.

Seus asseclas, como o vice-presidente J.D. Vance e o secretário de Comércio Howard Lutnick, repetem essa percepção como papagaios, definindo a imagem de um país destituído, com fábricas esvaziadas, trabalhadores desempregados e salários estagnados.

A realidade é o oposto. E somente porque é o oposto – em outras palavras, por causa do poder econômico inigualável dos EUA – Trump é capaz de tentar sua política tarifária. O peso econômico dos EUA lhe permite tentar forçar o restante do mundo a se curvar à sua vontade. Mas Trump está usando o poder americano de uma forma tão arbitrária, destrutiva e burra que isso quase certamente resultará em um desfecho “perde-perde” para todos.


A verdadeira história econômica das últimas três décadas é que os EUA estiveram à frente de todos os seus principais concorrentes. Em 2008, a economia americana era quase do mesmo tamanho que a economia da zona do euro, agora é quase o dobro.

Em 1990, a média salarial dos EUA era cerca de 20% maior do que a média geral no mundo industrializado avançado; agora é cerca de 40% maior. Em 1995, um japonês era 50% mais rico do que um americano em termos de PIB per capita, hoje um americano é cerca de 150% mais rico do que um japonês.

Na realidade, o Estado americano mais pobre, o Mississippi, tem um PIB per capita maior que o do Reino Unido, da França ou do Japão.

E ainda assim Trump está convencido de que, ao longo de todas essas décadas, os EUA estiveram em um declínio acentuado. Sua visão de mundo parece ter sido definida na década de 60, quando, em sua memória, os EUA eram uma grande potência industrial (outra parte dessa antiga visão de mundo é estimar exageradamente a capacidade de Moscou, que em sua mente, ao que parece, continua sendo um ator econômico imponente no cenário mundial, com o qual ele poderia fazer muitos negócios importantes. A Rússia, bizarramente, foi excluída das novas tarifas).

A realidade de os EUA serem a nação dominante nas esferas de crescimento mais rápido e mais críticas da economia global atualmente – tecnologia e serviços – parece não significar nada para ele.

Suas tarifas foram calculadas usando um método mais próximo ao vodu que à economia. Entre os muitos erros, elas se baseiam apenas nos déficits comerciais em mercadorias dos EUA em relação aos outros países. De alguma maneira, não importa que os EUA gerem superávits enormes em serviços – exportando softwares, serviços de software, filmes, músicas e serviços jurídicos e financeiros para o mundo. Mais de 75% da economia dos EUA é aparentemente uma penugem impalpável; o aço é o verdadeiro negócio.

Mas embora sejam a potência dominante no mundo, os EUA não são tão fortes a ponto de poderem agir de forma tão irracional. A economia mundial cresceu em tamanha magnitude e escala que encontrará maneiras de contornar o protecionismo americano, que agora figura entre os mais notórios do mundo.

Ao contrário das teimosas convicções de Trump, os EUA já eram realmente um tanto quanto protecionistas, com barreiras comerciais tarifárias e não tarifárias maiores do que em outros 68 países. Com essas novas tarifas, o protecionismo americano foi às alturas, com taxas mais altas que as da Lei Tarifária de 1930, que exacerbaram a Grande Depressão. No curto prazo, todos sofrerão. No médio e longo, porém, os países começarão a evitar negócios com os EUA.

Esse movimento já começou. Desde que Trump assumiu o cargo em 2017, os EUA abandonaram praticamente todos os esforços para expandir o comércio, mas outros países assumiram a responsabilidade. A União Europeia assinou oito acordos comerciais novos; a China, nove. Conforme observou o presidente da Rockefeller International, Ruchir Sharma: “Dos 10 corredores comerciais de crescimento mais rápido, cinco têm terminal na China; apenas dois têm terminal nos EUA”. Países precisam de crescimento, e isso significa comércio.

A China será claramente a grande vencedora nessa nova economia mundial porque se posicionará como o novo centro de comércio. Adicionando a isso a hostilidade de Trump em relação aos aliados mais próximos dos EUA, os americanos provavelmente verão a Europa, o Canadá e até mesmo alguns dos aliados na Ásia buscarem maneiras de trabalhar com a China.

A visão de mundo nostálgica de Trump remonta a uma época ainda mais distante do que a década de 60. O presidente evoca com carinho o fim do século 19, quando, conforme ele descreveu esta semana, os EUA tinham apenas tarifas e nenhum imposto de renda e eram mais fortes economicamente do que jamais haviam sido em comparação ao restante do mundo. Essa história é absurda. Em 1900, os EUA eram responsáveis por cerca de 16% da economia global segundo uma métrica. Agora, sua participação equivale a 26%. Os padrões de vida e de saúde dos americanos são muito mais elevados hoje.

Mas ao agir segundo sua fantasia nostálgica, Trump pode muito bem acabar arrastando os EUA de volta ao que o país era naquela época: uma nação mais pobre, dominada por oligarcas e corrupção e contente com sua arrogância em seu próprio quintal e em intimidar seus vizinhos, mas secundário em relação às grandes correntes globais da economia e da política.

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