quarta-feira, 3 de junho de 2015

Qual democracia?

É urgente recuperar a capacidade dos governos e dos partidos políticos para respeitar e escutar as vozes das ruas

(Para Rodrigo)

O ano de 2015 está sendo marcado por novas e importantes ameaças à liberdade de manifestação.

Nos Estados Unidos, a polícia vai à rua como se fosse à guerra, tão impressionante é o aparato bélico mobilizado para enfrentar manifestantes. Na Espanha, uma nova lei, apelidada pelos críticos de “Lei da Mordaça”, busca coibir os protestos em lugares públicos. Aqui no Brasil, assistimos estarrecidos, no dia 29 de abril, às imagens da polícia do Paranáreprimindo violentamente uma manifestação de professores, que resultou em mais de 200 feridos, alguns em estado grave.

Semana passada, o estudante universitário Rodrigo Avilés foi gravemente ferido quando participava (pacificamente) de uma manifestação pela reforma educacional em Valparaíso, no Chile. O caso de Rodrigo, que continua internado em estado grave no hospital, simboliza um problema maior. Desde 2011, quando os estudantes chilenos começaram a se mobilizar, seus protestos de rua terminam sempre em guerra aberta com policiais. Pelo menos uma vez por mês, há já quatro anos, um protesto acaba com centenas de presos e feridos.

Algo que deveria ser uma anomalia – o uso excessivo e desproporcional da força do Estado – virou parte do cotidiano.

Os efeitos da repressão

Infelizmente, o que estamos vendo em 2015 não é novo. A repressão excessiva e injustificável a manifestantes tem se tornado comum nos últimos anos. O incrível – inaceitável – é que isso se dê em países democráticos e não em países sob regimes autoritários, nos quais a repressão é esperada simplesmente porque não existe o direito de manifestação.

A repressão pode ter dois efeitos: desmobiliza ou reenergiza os movimentos sociais. Em contextos democráticos, é comum que a repressão tenha um efeito não esperado, ou seja, que gere mais mobilização. A facilidade cada vez maior para obter imagens que registram de forma inequívoca o uso injustificado da força só aumenta a probabilidade de que a repressão leve a mais – e não menos – protestos. A indignação frente à violência do Estado junta (ainda que talvez temporariamente) atores da sociedade que talvez não tenham plataformas comuns para além do clamor por justiça. A capacidade de mobilização por meio das redes sociais da Internet também facilita a disseminação rápida das notícias e dos chamados a novos protestos.

Em junho de 2013 vimos como a violência com que a polícia reprimiu os que se mobilizavam contra o aumento de tarifas de ônibus em São Paulo precedeu um dos mais massivos ciclos de protestos da história do país. Hoje está acontecendo algo parecido no Chile. A luta de Rodrigo pela vida está emocionando o país. Vigílias e novas manifestações de rua vêm se sucedendo, agora com ímpeto renovado. Essas mobilizações colocam em cheque não apenas a polícia, mas o governo do país de forma geral, já enfraquecido por escândalos recentes de corrupção. Nesse contexto, amplos setores da sociedade se juntaram para prestar solidariedade, demandar justiça e defender o direito de manifestação.

Mas esses efeitos da repressão têm um custo elevado demais. Um custo que Rodrigo e sua família hoje têm que pagar, e que nossas democracias não podem ignorar. É urgente recuperar o papel democrático da polícia como garantidora do direito à livre manifestação. É urgente recuperar a capacidade dos governos e dos partidos políticos para respeitar e escutar as vozes das ruas.

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