Ao longo do tempo, sempre tivemos candidatos que procuravam se destacar usando apelidos estranhos, adotando nomes de personagens de história em quadrinhos ou slogans peculiares. Um dos exemplos mais recentes é do deputado federal Tiririca, eleito sucessivamente para três mandatos desde 2010. Na ocasião, criou o bordão "Vote no Tiririca. Pior do que tá não fica", tendo a maior votação do país, com mais de 1,65 milhão de votos.
Também houve as chamadas candidaturas de protesto, como a do rinoceronte Cacareco, que obteve 100 mil votos para a Câmara de Vereadores de São Paulo em 1959, ou a do Macaco Tião, lançado pela turma do Casseta & Planeta como candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro em 1988, alcançando cerca de 400 mil votos. É importante registrar que só foi possível saber o total de votos desses mamíferos porque o eleitor escrevia o nome de seu candidato na cédula de papel.
Em 2008, tivemos uma mudança importante, que foi a utilização eficaz das redes sociais como instrumento de mobilização e adesão que marcou a vitória de Barack Obama. Seu exemplo passou a ser seguido, com maior ou menor competência, em diversos países. Porém, a mudança mais impactante tem seu marco inicial no ano de 2016. Primeiramente, pelos grupos e partidos que defendiam a saída do Reino Unido da União Europeia. E, logo em seguida, na campanha presidencial de Donald Trump.
Nesses dois exemplos, os estrategistas foram os primeiros a perceber que os algoritmos das redes sociais são baseados na cultura do engajamento e não da intermediação — ou seja, valem mais as publicações que têm maior número de curtidas e compartilhamentos. Também souberam combinar diferentes formas de comunicação, explorando as emoções negativas de pessoas e grupos, além de mostrar seu lado festivo e libertário por meio do escárnio.
E, não menos importante, a compreensão de que, a partir da ação em massa nas redes sociais, a política deixa de ser centrípeta para ser centrífuga, substituindo a lógica direita x esquerda pela lógica povo x elites, trabalhando os extremos a partir da revolta e da frustração latentes nas sociedades.
Essa lógica prevaleceu nas disputas eleitorais em diversos países, inclusive no Brasil, mas, nos últimos dois anos, surgiram algumas novidades. Há oito dias, começou a campanha eleitoral em que serão definidos os futuros prefeitos e prefeitas de 5.569 municípios, além de quase 60 mil vereadores.
O presidente eleito em 2018 fez e faz a alegria de seus milhões de seguidores ao adotar o estilo agressivo, popularesco, sem erudição, desprezando as convenções. Porém, após deixar o cargo em 2023, pressionado pela decisão judicial que o tornou inelegível e com a sombra de uma possível prisão, foi obrigado a mitigar esse comportamento.
Só que o gênio saiu da garrafa e aquilo que poderia ser considerado um comportamento naturalmente tosco passou a ser uma estratégia. Pode-se afirmar que a "tosquice" tornou-se um método estudado. No ano passado, Javier Milei foi seu maior representante no nosso continente com sua famosa motosserra.
Agredir adversários, se apresentar como antissistema e não se incomodar em divulgar mentiras é o novo normal para esse perfil de candidaturas. É o caso de um candidato à prefeitura de São Paulo cuja participação nos debates tem sido marcada pelo desrespeito às regras e pela falta de compostura. Tudo absolutamente estudado de modo a fazer as edições nos vídeos que gerem conteúdo para suas redes sociais que obtiveram um nível de engajamento tão gigantesco quanto entusiasmado.
Posto isso, a pergunta que precisa ser feita é: como há tanta gente que defende, segue e admira tal comportamento? É possível enfrentar esse movimento? Bem, nesta terça-feira, tivemos a oportunidade de ver como lideranças relevantes conseguem apontar caminhos. Refiro-me ao casal Obama, que, em seus discursos na convenção nacional do Partido Democrata, conseguiu pontuar as fragilidades de Trump ao mesmo tempo em que resgatou os valores dos chamados pais fundadores, indicando para os militantes como devem se conduzir para conseguir levar Kamala Harris à presidência. A própria Kamala tem seguido uma linha de ironizar o adversário, criando apelidos que têm deixado os trumpistas sem resposta.
Entretanto, estamos longe de superar essa situação. O ressentimento contra a política e os políticos, a concentração de renda e as mudanças tecnológicas que eliminam empregos compõem um caldo de cultura fértil para esse tipo de liderança desagregadora que solapa a democracia. O desafio é enorme e não se pode minimizar o risco.
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