segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Agora Luzia é morta

O Museu Histórico Nacional agora é uma ruína histórica. O prédio e o acervo sofreram incêndio criminoso. Resta à perícia dar o atestado de óbito indicando a causa e os criminosos, que todos já conhecem de longa data: a incúria e o descaso apocalípticos do país.


O Brasil não só perdeu o prédio da família imperial ou o quinto maior acervo do mundo. Puseram fogo no imaginário nacional com a perenidade do símbolo de sua História e Pré-História. Lamentam e choram milhões que o patrimônio histórico e científico, legados pétreos, viraram cinzas em poucas horas. A memória humana, além da história brasileira, foi levada pelo fogo e a água.

Falam em reconstrução em mais uma cenografia de quem se lixa para as referências da memória de um país. Não se pode mais recuperar acervo em cinzas. Enganar pessoas e o futuro a bel-prazer é a própria profanação dos restos mortais. Deve-se respeitar a ruína como exemplo às gerações de como um país maltrata tudo - de gente a instituições, prédios e história - em nome da sustentação do privilegismo.

As lágrimas de crocodilo inundam páginas de necrológico do museu. Nem governos, políticos, instituições, banqueiros ou empresários se empenham em manter a história desde que não seja para cenário de auto-exaltação. A Quinta da Boa Vista, no Rio, com o prédio histórico ao fundo, como cenografia, foi por décadas abusada por um projeto midiático que não rendeu um centavo de direitos de imagem para a instituição, mas milhões para os patrocinadores e promotores em fortalecer seu poderio político-econômico.

As chamas desse domingo iluminaram a hipocrisia nacional. A cultura e o empresariado que choram a perda são os mesmos que ontem prodigalizavam o patrocínio público, em lei, de seus shows pseudo-culturais. A mídia que defendia um ministério único para a Cultura, quase em campanha nacional, não foi capaz de denunciar com a mesma veemência o descaso governamental. O dinheiro da preservação correu sempre de enxurrada para alimentar a cultura dos estandartes político-ideológicos. Aqueles que nunca promoveram nenhuma iniciativa para a defesa do museu contra o descaso de governos, talvez mesmo nunca pisaram no prédio, promoveram um “braço” às ruínas.

A memória, registro da Humanidade, nunca foi, nem é, cuidada como deve ser no país. Não será agora que o brasileiro deixará de lado a hipocrisia de matar e depois chorar o morto para cenograficamente idealizar um futuro. 


A cremação de "Luzia", a mulher brasileira de 12 mil anos, exemplifica um país que se lixa para si mesmo desde que haja lucro em suas supremas castas. Pois que deixem as ruínas do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista como memória deste país que todos fizeram e fazem.
Luiz Gadelha

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