terça-feira, 3 de outubro de 2017

'Aceite, que dói menos'

Solta, a frase não diz nada. Mas o jargão fez parte de uma conversa que noutro dia ouvi na recepção de um laboratório. Nesses locais em que todos trocam experiências sobre dores, curas, atendimentos médicos, tratamentos diversos, cirurgias, onde também se harmonizam e se fundem “tristes agonias separadas”. Três senhoras falavam sem reservas, o que me permitiu ouvir e até dar pitacos, sobre as consultas médicas a que haviam sido submetidas, pelo que diziam recentemente, em postos de saúde. Cito isso como exemplo da tolerância do cidadão que depende dos serviços públicos de saúde e pelo que comentavam tais senhoras: “Lá na UPA do meu bairro agora tá bom; minha nora esperou noutro dia só duas horas pra ser atendida; eu já esperei até cinco, mas trem de graça a gente não pode reclamar”. Uma pessoa esperar duas horas para ser atendida por um médico e ainda achar razoável porque é de graça. De graça uma ova, minha senhora! Desculpe-me, mas tudo que é serviço público é remunerado por impostos gerados pela sociedade, que trabalha, consome, emprega, produz, transporta, sofre prejuízos, danos, perdas, corre riscos. Se não é suficiente o que se arrecada é porque, em 99% dos casos, se gere mal, se paga mal, se compra mal, se furta, não se controla, alimenta-se uma cadeia de fraudes e corrupção sob o comando de quadrilhas que agem à luz do dia.

O cidadão é humilhado porque assim permite. Ele vai a uma delegacia de polícia fazer uma ocorrência e é, quase sempre, tratado como um bandido da pior estirpe, como se estivesse pedindo um favor. Você vai a uma repartição pública e muitas vezes recebe um tratamento desprezível, nojento, disfuncional, uma afronta.



Ninguém mais pode ser cobrado por uma mínima eficiência no trabalho para o qual recebe dinheiro público para, assim, produzir soluções. Somos tolerantes, concordamos com a descarada desatenção de quem tem obrigação (não é favor) constitucional de servir. Por isso se denominam “servidores públicos”.

Essas posturas estão se agravando a cada dia em todo o país, em todos os espaços onde está o poder público.

Questiona-se com provas, as mais concretas, de sua postura fraudulenta o Executivo, em todos os níveis, em quase todos os Estados e municípios. Encontram-se malas com milhões de reais e dólares, patrimônios inexplicáveis, contas no exterior, impressões digitais nas notas e nas malas do crime, mas não se tem a prova: ninguém viu o acusado tirar do porta-malas do carro aquelas malas e colocá-las dentro de um apartamento que não tem sequer uma cadeira pra sentar. Elas devem ter entrado pela janela. Para lá voaram de alguma pizzaria do bairro.

Vendedores de “quentinhas” para penitenciárias e escolas públicas viram senadores; outros recebem empréstimos sem demonstrar contratos, ou simples promissórias, ou cheques pré-datados, ou até mesmo carnês (como os do Baú), e não podem ser presos ou afastados de seus mandatos porque há sempre um ministro do STF que lê em divergência a Constituição Federal, ou não vê crime nas conversas gravadas entre um empresário que confessa publicamente ser um criminoso e o incauto tomador da merreca de R$ 2 milhões sem qualquer documento assinado. Meu Deus! Nossa desmedida tolerância, a baixa autoestima moral de nossa sociedade, a corrupção geral e horizontal e o favorecimento descarado de grupos que cada vez mais se ampliam geram a criminalidade sem volta, a degradação moral de um povo, o analfabetismo, a violência, o império da droga, a falta de saúde e, por consequência, a miséria social. É daí que equivocadamente se recomenda: “Aceitem, porque dói menos”. Pelo menos até estourar o barril de pólvora no qual estamos sentados.

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