quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Pensamento do Dia



O planeta das peúgas rotas

Caros amigos:

Referi a ideia de má ou boa sorte como algo que mata a capacidade empreendedora, como algo que consolida o espírito de vítima. Referi esse convite constante para pensarmos que, para melhorar o mundo, a única coisa que nos resta é pedir, lamentar e reclamar.

Faço uma outra confidência. A empresa em que trabalho abriu um concurso para jovens que fizessem inquéritos nos bairros de Maputo. Concorreram centenas de jovens e parecia claro que as duas dezenas que conseguiram o lugar o defenderiam com unhas e dentes.

Logo no primeiro ensaio, porém, uma meia dúzia se apresentou cheia de queixas e reivindicações: que não podiam trabalhar ao sol, que o trabalho era muito cansativo e necessitavam de mais repouso, que precisavam de um subsídio para comprar chapéus e sombreiros… Este espírito, meus amigos, é o de uma nação doente. Um país em que os jovens pedem antes de dar qualquer coisa, é um país que pode ter hipotecado o seu futuro.

O que eu noto é que, a par de uma abnegação ilimitada, nós sofremos ainda do complexo de que merecemos mais que os outros porque sofremos no passado. “A História está em dívida conosco”, é isso que pensamos. Mas a História está em dívida com todos e não paga a ninguém. Não houve povo que não sofresse, em algum momento, terríveis martírios e prejuízos. Nações inteiras foram reduzidas a escombros e renasceram por causa do trabalho e esforço de gerações. O nosso próprio país foi capaz de se afastar das cinzas da guerra. Invocar o passado para que se tenha pena de nós e ficar à espera que alguém nos compense é pura ilusão.


A lógica é, afinal, uma extensão do individual para o colectivo. Como sobrevivemos pessoalmente à custa de favores, pedimos ao mundo que nos conceda privilégios e compensações especiais. Esse posicionamento de vítimas a quem o mundo tem de pagar uma dívida sucede como nação e como cidadãos. A verdade é esta: nunca nos darão essas condições. Ou nós as conquistamos ou nunca chegaremos lá. O valor de Lurdes Mutola deriva de ela ter vencido todo um historial de dificuldades. Imaginemos que Lurdes Mutola, em lugar de treinar a sério, faria a exigência de partir uns metros à frente das suas adversárias, argumentando que era pobre e vinha de um país martirizado. Mesmo que ela ganhasse, a sua vitória deixaria de ter qualquer valor. O exemplo parece ridículo mas refere o exercício de coitadismo que praticamos vezes sem conta. A solução para o desfavorecido não é pedir favores. É lutar mais do que os outros. E lutar sobretudo por um mundo onde não seja preciso mais favores.

Um outro buraco nas nossas peúgas (este é um buraco do tamanho da própria peúga) é a nossa tendência para culpabilizar os outros pelos nossos próprios erros. Perdemos o emprego não porque faltamos consecutivamente sem justificação. Perdemos a namorada (ou namorado) não porque amamos pouco e mal. Reprovamos no exame, mas não foi nunca por falta de preparação. Esses deslizes são por nós explicados pela evocação de demônios cuja existência é profundamente cômoda. A construção de diabos é, afinal, um investimento a prazo: a nossa consciência pode dormir à sombra dessas ilusões.

Esta não é uma doença exclusivamente nossa. Nos dias de hoje, estamos assistindo a um dramático exemplo dessa fabricação de fantasmas: diariamente no Iraque se matam civis inocentes em nome de Deus, em nome da luta contra um demônio que são os outros, de outra crença. José Saramago disse: “Matar em nome de Deus faz desse Deus um assassino”.

E regressamos à questão da pessoa humana. Ao longo da História, as operações de agressão aos outros começam curiosamente por despessoalizar esses mesmos outros. Por assim dizer, esses — os inimigos — não são pessoas humanas como nós. A primeira operação na guerra dos Estados Unidos contra o Vietnã não foi de ordem militar. Foi de ordem psicológica e consistiu em desumanizar os vietnamitas. Eles já não eram humanos: eram “amarelos”, eram seres de outra natureza sobre os quais não haveria problema de ética em lançar bombas, o agente laranja e napalm.

O genocídio no Ruanda foi aqui perto e não muito distante no tempo.

Comunidades que conviviam em harmonia foram manipuladas por elites criminosas ao ponto de se ter cometido o maior massacre da História contemporânea. Se antes de 1994 perguntássemos a um tutsi ou a um hutu se acreditava que aquilo poderia acontecer no seu país eles declarariam que isso era inimaginável. Mas sucedeu. E sucedeu porque a capacidade de produzir demônios é ainda muito grande nos nossos países. Quanto mais pobre é um país maior é a capacidade de se destruir a si mesmo.

A partir de abril de 1994 e durante cem dias consecutivos mais de 800 mil tutsis foram assassinados pelos seus compatriotas hutus. Machados e catanas foram usados para chacinar 10 mil pessoas por dia, o que dá uma média de dez pessoas por minuto. Nunca na História humana se matou tanto em tão pouco tempo. Toda esta violência foi possível porque se tinha trabalhado para provar, uma vez mais, que os outros não eram pessoas humanas. O termo escolhido pela propaganda hutu para falar dos tutsis era cockroaches, baratas. A matança estava assim isenta de qualquer objecção moral, estava-se matando insectos e não pessoas humanas, compatriotas falando a mesma língua e vivendo a mesma cultura.

No vizinho Zimbábue, o discurso da unidade que marcou o início de uma sociedade multirracial foi, de súbito, alterado para uma agressão marcadamente racista. O vice-presidente do Zimbábue, Joseph Msika, num comício na cidade de Bulawayo disse textualmente: “Os brancos não são seres humanos”. Ele apenas estava repetindo o que Robert Mugabe já havia proclamado. E eu cito as palavras de Mugabe: “O que odiamos nos brancos não é a sua pele mas o demônio que emana deles”. Os dirigentes da Z anu tinham-se distinguido, poucos anos antes, como defensores de uma nação multirracial. O que tinha mudado? Mudara o jogo de forças. A ambição pelo poder provoca mudanças surpreendentes nas pessoas e nos partidos.

Estamos certos de que, em Moçambique, essas nuvens sombrias são distantes e pouco prováveis de alguma vez acontecerem. Esse é um motivo de orgulho no presente e de confiança no futuro. Mas esta certeza necessita de que não esqueçamos as lições de uma história que é também a nossa.


Pediram-me que falasse da pessoa humana. É um universo vasto, sem limites, do qual ninguém se pode dizer especialista. Fui forçado a escolher uma pequena parcela dessa tela infinita. Falei deste mal que é a demissão das nossas responsabilidades, da deserção das nossas capacidades. Falei da dependência de um modo de vida, em que tudo se consegue por favores, por cunhas e benesses. Falei de tudo isto porque o sistema bancário é profundamente vulnerável e permeável a este tipo de situações.

A nossa verdadeira questão enquanto nação é sermos capazes de produzir mais riqueza. Mas não confundirmos riqueza com dinheiro fácil. Certa vez fiz uma intervenção sobre essa obsessão de enriquecer rapidamente e de qualquer maneira. Fui atacado pelo argumento demagógico de que eu não queria ver moçambicanos ricos. Termino hoje reiterando aquilo que sempre defendi.

O meu anseio não é apenas ver moçambicanos ricos no verdadeiro sentido da palavra riqueza. O meu anseio é ver todos os moçambicanos partilhando de uma mesma riqueza. Só essa riqueza nos fará mais pessoas e mais humanos.
Mia Couto, Encontro sobre Pessoa Humana na Conferência no Millenium BIM (2008)

Israel usa estratégia 'render-se ou morrer de fome' em Gaza

A última invasão militar israelense em Jabalia, no norte de Gaza, não poderia ser mais catastrófica para os moradores, que já lidam com os bombardeios e as dificuldades da guerra entre Israel e Hamas há mais de um ano.

"Aqui é perigoso. Ninguém pode se mover. É arriscado e inseguro. Eles nos pediram para sair, mas não havia tempo. De repente, a área estava cercada e sob fogo", disse Mohammed, que não quis dar seu sobrenome, por telefone.

Há quase duas semanas, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) lançaram uma nova ofensiva terrestre no campo de refugiados de Jabalia e ordenaram que as pessoas deixassem a área, mais uma vez. As IDF disseram que a inteligência israelense detectou esforços do Hamas, o grupo radical que comanda o enclave, para se restabelecer e se reagrupar na área.

Os palestinos e as Nações Unidas temem que a última invasão seja parte de uma implementação mais ampla de uma estratégia de "render-se ou morrer de fome" por parte de Israel, para deslocar à força os residentes do norte e isolar essa região de Gaza – planos que o governo israelense nega.

"O Exército israelense parece estar isolando completamente o norte de Gaza do resto da Faixa de Gaza", disse o Escritório de Direitos Humanos da ONU em comunicado.


Mohammed, 41 anos, disse que sua esposa e três filhos estavam visitando parentes na vizinha Cidade de Gaza, quando tanques avançaram, e os ataques aéreos se intensificaram em Jabalia. Ele pediu para que ficassem por lá.

"Meus vizinhos e eu ficamos próximos uns dos outros, tentando compartilhar o que restou de comida e água. Não sei quanto tempo isso vai durar", disse.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) estima que 50 mil pessoas foram deslocadas de Jabalia nas últimas duas semanas, enquanto outras permanecem presas em suas casas devido aos fortes combates ao redor. De acordo com a OCHA, cerca de 84% do território está sob "ordem de evacuação" pelos militares israelenses.

No início do mês, o Exército israelense publicou um mapa mostrando novas ordens de evacuação em várias áreas da Faixa de Gaza, incluindo Beit Hanoun, Jabalia e Beit Lahiya, no norte do enclave. Moradores foram instados a sair imediatamente usando a rota Salah al-Din, uma das principais estradas do norte ao sul, para uma "zona humanitária" designada – uma área superlotada no sul de Gaza que carece de serviços básicos e que também foi alvo de Israel no passado.

Mas muitos estão cansados de serem deslocados e parecem buscar abrigo no norte de Gaza em meio ao aumento dos bombardeios e combates. Aya Tawfik, uma enfermeira voluntária, fugiu com seus irmãos e seu pai de Jabalia para Sheikh Radwan, um bairro no norte da Cidade de Gaza.

"Não queremos ir para o sul", disse Tawfik à DW por mensagem de texto. "As condições são difíceis. Não queremos viver em uma barraca, e lá também há bombardeios e mortes."

Ela descreveu a situação em Jabalia como "aterrorizante", pois os combates também se aproximaram da área onde sua família está agora.

"Estamos hospedados em uma casa perto da nova área de evacuação. Podemos ouvir as explosões, os sons de tanques e drones acima de nós. Não sabemos se podemos ficar aqui ou não", disse Tawfik, acrescentando que as pessoas estavam constantemente se deslocando em busca de segurança.

Os serviços de emergência de Gaza afirmam que não podem se deslocar em áreas de combates pesados e têm que deixar pedidos de ajuda sem resposta.

"É um grande risco para a segurança dos paramédicos e da defesa civil chegar perto dessas áreas", disse Fares Afana, chefe dos serviços de ambulância no norte de Gaza. "Há um grande número de feridos e há mártires [cadáveres] espalhados pelas ruas."

A OCHA estima que pelo menos 400 mil pessoas permanecem no norte de Gaza, inclusive na Cidade de Gaza, a maior do território. Apesar das repetidas ordens militares desde o ano passado para que partissem para o sul, há diversas razões para os que decidiram ficar.

Alguns estão cuidando de parentes idosos e doentes. Outros simplesmente se recusam a ser arrancados de suas casas ou se sentem inseguros para ir a qualquer lugar sob a constante ameaça de ataques aéreos. Muitas famílias estão separadas e espalhadas por toda Gaza.

Tanto Mohammed quanto Aya Tawfik temem que nunca mais possam voltar para casa, no norte de Gaza. O pequeno território agora é dividido pelo corredor Netzarim, uma nova estrada controlada por Israel que vai de leste a oeste, no centro de Gaza. Os moradores dizem que a estrada tornou quase impossível o retorno ao norte.

O Ministério do Interior de Gaza, dirigido pelo Hamas, instruiu os civis a ignorarem o aviso para se deslocarem para outras áreas no norte da Faixa e a evitarem ir para o sul. O Exército israelense afirmou, em comunicado na segunda-feira (14/10), que militantes do Hamas estavam impedindo ativamente algumas pessoas de sair.

Os últimos movimentos militares e as ordens de evacuação levaram à especulação entre palestinos, a imprensa e organizações de ajuda humanitária de que o governo israelense está implementando gradualmente no norte de Gaza uma estratégia de "render-se ou morrer de fome", também conhecida como "plano do general".

O plano foi proposto por um grupo de oficiais superiores reformados, liderados pelo major-general aposentado Giora Eiland, ex-conselheiro de segurança nacional. De acordo com relatos da mídia israelense, o gabinete israelense discutiu recentemente várias opções, mas ainda não está claro se alguma delas foi adotada.

A estratégia teria o objetivo de forçar o Hamas e seu líder, Yahya Sinwar, a se renderem, ao pressionar a população remanescente no norte. Há muito tempo, Israel acusa o Hamas e outros grupos militantes de se esconderem entre a população. De acordo com o plano, civis seriam obrigados a sair por corredores de evacuação no sul de Gaza, e a parte norte seria formalmente isolada. Qualquer pessoa que permanecesse seria considerada um combatente inimigo, e todos os suprimentos seriam bloqueados, em um cerco completo.

O jornal israelense de esquerda Haaretz noticiou nesta semana que altos funcionários da defesa indicaram que a liderança política do país está pressionando pela anexação de partes da Faixa de Gaza. Isso ocorre em meio a novos pedidos de políticos e ministros de ultradireita para o reassentamento em Gaza.

Grupos de ultradireita anunciaram uma grande reunião nos próximos dias para "treinar" o reassentamento em Gaza. No entanto, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu negou qualquer plano para permitir a entrada de colonos israelenses no território palestino.

Embora não esteja claro se os militares adotaram algum componente do plano em sua invasão atual, autoridades das Nações Unidas soaram o alarme.

"Desde 1º de outubro, as autoridades israelenses têm cortado cada vez mais o acesso a suprimentos essenciais no norte de Gaza", disse Muhannad Hadi, coordenador humanitário para o Território Palestino Ocupado, em um comunicado no domingo. A declaração acrescentou que as operações militares forçaram o fechamento de padarias, postos médicos e abrigos, enquanto "hospitais registraram um fluxo de feridos por trauma".

Para pessoas como Tawfik, sobreviver a essa última incursão israelense é tudo o que importa. "Essa invasão é mais difícil do que a anterior", disse. "Não temos mais energia. Estamos completamente exaustos. Estamos lutando constantemente para nos mantermos vivos e não enlouquecer."
Tania Krämer

Destruir, o mandamento

O essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas de produtos do trabalho humano. A guerra é um meio de despedaçar, ou de libertar na estratosfera, ou de afundar nas profundezas do mar, materiais que de outra forma teriam de ser usados para tornar as massas demasiado confortáveis e, portanto, com o passar do tempo, inteligentes

George Orwell

Usando o Manual de Gaza no Líbano

Perpetuar mentiras israelenses é perigoso, não apenas porque dizer a verdade é uma virtude, mas também porque palavras matam, e reportagens desonestas podem, de fato, justificar o genocídio.

A versão oficial do exército israelense sobre o motivo de ter atacado áreas civis durante o intenso e mortal bombardeio de 20 de setembro no sul do Líbano é que os libaneses estão escondendo lançadores de mísseis de longo alcance em suas próprias casas.

Esta explicação oficial do exército israelense tinha como objetivo justificar a morte de 492 pessoas e o ferimento de 1.645 em um único dia de ataques israelenses.

Esta explicação pronta para servir nos acompanhará durante toda a guerra israelense no Líbano, não importa o tempo que leve. A mídia israelense agora está citando pesadamente essas alegações e, por extensão, a mídia dos EUA e ocidental estão seguindo o exemplo.


Tenha isso em mente ao refletir sobre declarações anteriores feitas pelo presidente israelense Isaac Herzog em 13 de outubro, quando ele argumentou que não há civis em Gaza e que "há uma nação inteira lá fora que é responsável".

Israel faz isso em todas as guerras que lança contra qualquer nação palestina ou árabe. Em vez de remover civis e infraestruturas civis de seu banco de alvos, ele imediatamente transforma a população civil nos principais alvos de sua guerra.

Uma rápida olhada no número de civis mortos na guerra e no genocídio em andamento em Gaza deveria ser suficiente para demonstrar que Israel tem como alvo pessoas comuns como algo natural.

De acordo com o Ministério da Saúde Palestino em Gaza, crianças e mulheres constituem a maior porcentagem de vítimas da guerra, 69 por cento . Se levarmos em conta o número de homens adultos que foram mortos — um número que inclui médicos, paramédicos, trabalhadores da defesa civil e várias outras categorias — ficará óbvio que a vasta maioria de todas as vítimas de Gaza são civis.

Somente a mídia israelense e seus aliados no Ocidente continuam a encontrar justificativas para o motivo pelo qual civis palestinos, e agora libaneses, estão sendo mortos em grande número.

Compare as duas declarações a seguir, que receberam muita atenção na mídia, do porta-voz militar israelense Daniel Hagari, sobre Gaza e o Líbano.

“O Hamas usa sistematicamente hospitais para travar guerras e usa consistentemente o povo de Gaza como escudos humanos”, disse Hagari em 25 de março.

Então, “a sede terrorista do Hezbollah foi construída intencionalmente sob prédios residenciais no coração de Beirute, como parte da estratégia do Hezbollah de usar escudos humanos”, disse ele em 27 de setembro.

Para aqueles que estão dando o benefício da dúvida a Hagari, basta rever o que aconteceu em Gaza no ano passado.

Por exemplo, Israel alegou que o massacre do Hospital Batista Al-Ahli não foi obra sua, e que foi um foguete palestino que matou quase 500 refugiados deslocados e feriu centenas de outros em 17 de outubro.

Todas as evidências, incluindo investigações de grupos de direitos humanos muito respeitados, concluíram o oposto. Ainda assim, no entanto, as falsas alegações israelenses receberam muita cobertura na mídia.

O episódio do Hospital Batista foi repetido inúmeras vezes. Na verdade, as mentiras começaram em 7 de outubro, não em 17 de outubro, quando Israel fez alegações sobre bebês decapitados e estupro em massa. Embora muito disso tenha sido provado conclusivamente como errado, alguns na mídia e autoridades pró-Israel continuam a falar disso como um fato comprovado.

E embora nenhuma sede do Hamas tenha sido encontrada sob o Hospital Al-Shifa, as alegações israelenses infundadas continuam a ser repetidas como se fossem toda a verdade.

A mesma lógica está sendo aplicada agora ao Líbano, onde Israel alega que não tem civis como alvos e, quando civis são mortos, são os próprios libaneses que devem ser culpados por supostamente usar civis como escudos humanos.

O manual de Gaza é agora o manual do Líbano. Claro, muitos estão jogando junto, não porque sejam irracionais ou incapazes de chegar a conclusões adequadas com base nas evidências óbvias. Eles fazem isso porque são parte da narrativa israelense, não contadores de histórias neutros ou repórteres honestos.

Até mesmo a BBC faz parte dessa narrativa, pois usa as alegações israelenses como ponto de partida para qualquer conversa sobre a Palestina ou o Líbano. Por exemplo, "Israel disse que realizou uma onda de ataques preventivos no sul do Líbano para frustrar um ataque de foguetes e drones em larga escala pelo Hezbollah", informou a BBC em 26 de agosto.

Israel consegue escapar impune de suas mentiras sobre os assassinatos em massa em Gaza, e agora, infelizmente, no Líbano, porque a propaganda israelense é bem-vinda, na verdade, abraçada por autoridades e jornalistas ocidentais.

Assim, quando o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, descreveu os ataques aéreos de 20 de setembro no Líbano como “justiça feita”, ele estava indicando à grande mídia que sua cobertura deveria permanecer comprometida com essa avaliação oficial.

Imagine a indignação se a situação fosse invertida, como milhares de civis israelenses sendo massacrados em suas próprias casas por bombas libanesas. Não haveria necessidade de elaborar sobre as reações da mídia dos EUA ou ocidental, pois isso deveria ser óbvio para qualquer um que esteja prestando atenção.

O Líbano é um estado árabe soberano. Gaza é um território ocupado, e seu povo é protegido sob a Quarta Convenção de Genebra. Nem as vidas libanesas nem palestinas são sem valor, e seu assassinato em massa não deve ser permitido por nenhuma razão, especialmente com base em mentiras absolutas comunicadas por um porta-voz militar israelense.

Perpetuar mentiras israelenses é perigoso, não apenas porque dizer a verdade é uma virtude, mas também porque palavras matam, e reportagens desonestas podem, de fato, justificar o genocídio.
Ramzy Baroud, editor do The Palestine Chronicle

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Formamos guerreiros políticos, não democratas

Há mais de 30 anos, a cada semestre recebo uma nova turma de alunos de 20 e poucos anos. Sou professor de comunicação política e, como a realidade tem sido nosso melhor laboratório, discutimos frequentemente a turbulenta e alucinada política nacional.

Em uma dessas conversas, sobre a radicalização do debate político no país, uma estudante reagiu com ceticismo ao meu julgamento, indagando com sinceridade: "Mas política não é sempre guerra e polarização?". Como outros alunos imediatamente concordassem, comecei a explicar que não é bem assim.

As sociedades democráticas são, sim, espaços de divergência, mas não de conflito aberto. A política envolve negociação e compromisso, e certo grau de consenso é essencial para projetos políticos comuns. O nível de intolerância, polarização e dogmatismo que atingimos recentemente não é inevitável, mas resultado de escolhas que fazemos como sociedade.


Como olhos e sorrisos, entre céticos e surpresos, acompanharam a minha explicação, o surpreendido fui eu. Como é que jovens, que estão apenas começando a entender a política de forma madura, mas já mais engajados do que gerações anteriores, normalizaram atitudes que praticamente inviabilizam o país e tornam nossa democracia mais vulnerável?

A resposta é simples, basta fazer as contas. Em 2013, quando o Brasil entrou em surto político, esses alunos tinham entre oito e nove anos. Quando a extrema direita começou a crescer no mundo, eles tinham 11 ou 12. Quando Bolsonaro assumiu, completavam 15 anos. Como poderiam ter outra noção de normalidade política se, desde que se entendem por gente, só viram conflitos abertos entre grupos que se comportam como facções, sectarismo, dogmatismo, ódio autorizado e a luta pela superioridade moral?

São pelo menos 11 anos em que a mensagem política dominante é: "Estamos em guerra, escolha um lado e lute pela sua sobrevivência". Formamos uma geração inteira de guerreiros e depois queremos que eles negociem democraticamente diferenças, usem razão e boa vontade para mediar divergências, entendam que chegar a compromissos com adversários e engolir alguns sapos em nome da tolerância são valores da democracia?

Meninos e meninas mal acordam para a política e extremistas de direita, progressistas identitários e radicais de esquerda lhes enfiam um fuzil na mão: "Vocês agora são guerreiros da justiça, identifiquem seus inimigos, atirem primeiro, argumentem depois". E, claro, todo o conhecimento de que precisam será entregue por transfusão digital, já mastigadinho por líderes e influenciadores tribais; é só engolir. Não é muito: dez dogmas condensam toda a crença necessária para formar um bom soldadinho político ou, com tintas mais nobres, um ativista empenhado em fazer do mundo um lugar melhor.

Além da fragmentação ideológica e do ódio entre grupos, a nova geração logo descobre que o slogan dos anos 60, "o pessoal é político", se materializou por completo. Todas as dimensões da vida são consideradas questões políticas em pé de igualdade com as discussões sobre políticas públicas ou questões de Estado. A distinção moderna entre o íntimo, o privado e o público desapareceu. Tudo voltou a ser público, até a intimidade. Principalmente ela.

Se tudo é política e política é guerra, todo mundo é militante e todo militante é um combatente. Se for militar, que venha armado.

Em um quadro como esse, como esperar que tolerância, pluralismo e respeito ao melhor argumento ainda sejam valores para essa nova geração?

Vocês não imaginam a aflição dos alunos quando proponho que o Brasil político seja visto como uma sala de aula, onde metade da turma não suporta a outra metade e aprendeu que precisa odiá-la do fundo do coração, mas, mesmo assim, ninguém vai sair. E agora? É possível conviver com quem você considera fascista, transfóbico, machista, gayzista, feminazi, comunista, ultraconservador ou esquerdista?

Para alguns, isso soa como o inferno, mas é o início da democracia. Mas como convencê-los desse fato se até agora aprenderam que o lado que tem razão, o próprio lado, tem o direito de ficar sozinho na sala e que o mundo não será justo até que isso aconteça?

Como ensinar essa geração a sair do abismo em que a colocamos se a litania que aprenderam a recitar todos os dias repete, como prece: "O inimigo não se normaliza, se odeia", "o outro lado deve ser convertido ou destruído", "se temos razão, não há que escutar o outro lado", "se ameaça a minha existência, eu serei resistência"?

Formamos guerreiros políticos, não democratas.

Céu e inferno

 Katharsis, Orozco

Para satisfazer otimistas e pessimistas, podemos concluir dizendo que estamos no limiar do céu e do inferno, movendo-nos nervosamente dos portões de um para a antessala do outro. A história ainda não se decidiu sobre nosso destino, e uma série de coincidências ainda pode nos colocar em uma ou outra direção.

Yuval Noah Harari, "Sapiens: uma breve história da humanidade"

Guerras, clima, covid e dívidas travam esforços antipobreza

Um relatório do Banco Mundial divulgado nesta terça-feira afirma que, prevalecendo as tendências atuais, o mundo levará mais de três décadas para melhorar as condições de vida de quase 700 milhões que vivem em situação de pobreza extrema no mundo.

No relatório Pobreza, prosperidade e planeta 2024, o Banco Mundial avalia que os grandes revezes dos últimos anos – guerras, crise climática, endividamento e a pandemia de covid-19 – tornaram inatingíveis as metas das Nações Unidas de pôr fim à pobreza extrema até 2030. É considerado em pobreza extrema quem vive com menos de 2,15 dólares (R$ 12,14) por dia.


A taxa de pobreza global caiu de 38% em 1990, para 8,5% em 2024, em grande parte devido ao rápido crescimento econômico na China, Por outro lado, , a taxa de progresso está estagnada desde 2019. A expectativa é que até 2030 esse dado diminua apenas modestamente, para 7,3%.

A pobreza extrema permaneceu concentrada em países com crescimento econômico historicamente baixo e altos níveis de fragilidade, muitos dos quais na África Subsaariana.

"A redução da pobreza global diminuiu até quase parar, com o período entre 2020 e 2030 prestes a se tornar uma década perdida", revela o relatório.

O diretor-gerente chefe do Banco Mundial, Axel van Trotsenburg, observou que, após décadas de progresso, o mundo enfrenta "graves retrocessos na luta contra a pobreza global, devido aos desafios interligados que incluem crescimento econômico lento, pandemia, dívida alta, conflitos e fragilidade, e choques climáticos."

"Precisamos de um manual de desenvolvimento fundamentalmente novo, se quisermos realmente melhorar a vida e os meios de subsistência humana e proteger nosso planeta", disse Trotsenburg.

De acordo com o estudo, seria necessário mais de um século para o mundo atingir o objetivo ainda mais ambicioso de aumentar as rendas para mais de 6,85 dólares por dia, considerados como o limite de pobreza para países de renda média alta como Brasil, Argentina e China, cuja renda per capita está entre 4.466 e 13.845 dólares por ano.

Quase a metade da população mundial – 3,5 bilhões ou 44% – vive com menos de 6,85 dólares por dia. Segundo o relatório, o contingente nesse patamar de pobreza pouco mudou desde 1990, em razão do crescimento populacional.

Pobreza, prosperidade e planeta 2024 ressalta que também houve poucos avanços em termos de redução da desigualdade. Ao mesmo tempo que o número de países com diferenças particularmente grandes entre ricos e pobres havia diminuído de 66 para 49 na última década, dos habitantes de países com alto nível de desigualdade permaneceu inalterada, em 22%. A maior parte de deles estão na América Latina, Caribe e África Subsaariana.

"Quase uma em cada cinco pessoas no mundo está propensa a enfrentar um impacto climático grave em sua vida, do qual teria dificuldade para se recuperar. Na África Subsaariana, quase todos os expostos a eventos climáticos extremos estarão sob risco de sofrer perdas de bem-estar devido a sua vulnerabilidade", afirma o Banco Mundial.

Além disso: "A futura redução da pobreza demanda um crescimento econômico menos intensivo em termos de emissões de carbono do que no passado."

Aquilo que eles não querem que se saiba

Retomo a reflexão com que terminei a newsletter da última semana: para um crente das teorias da conspiração, perdido nas suas paranoias, a maquinação que realmente se desenrola à frente dos seus olhos será a última em que irá reparar.

Pensemos num cenário digno da mais distópica obra de ficção científica. O homem mais rico do mundo controla a maior constelação de satélites do planeta, capaz de enviar e receber dados dos locais mais recônditos do globo. De caminho, está também cada vez mais perto de ter uma posição monopolista no acesso ao espaço, através da sua empresa aeroespacial.

Cá por terra, outra empresa sua fabrica e comercializa automóveis elétricos conectados à Internet, opera a sua própria rede de abastecimento, aventura-se na exploração do futuro dos transportes coletivos e promete agora robôs humanoides, capazes de substituir um trabalhador, para daqui a um par de anos.


Outra companhia sua explora o tão promissor quanto intrigante mundo da inteligência artificial. E outra das suas empresas desenvolve e testa já implantes em cérebros humanos.

O homem mais rico do mundo controla também a rede social mais influente do mundo (não a das dancinhas virais, mas aquela que políticos de todo o mundo privilegiam para chegar ao público), manipulando-a para elevar vozes amigas, censurando notícias e tópicos desagradáveis, e transformando-a no seu megafone particular, forçando quem o segue e quem não o segue a ler os seus escritos e piadas. É que o homem mais rico do mundo é também o mais sedento de atenção e elogio.

Por vezes, um qualquer país chateia-o porque alguém escreveu na sua rede social uma daquelas coisas que são desagradáveis, e pede-lhe para apagar o escrito e denunciar o seu autor. O homem mais rico do mundo, que quer ser conhecido como um corajoso combatente pela liberdade de expressão, começa por fazer um número de indignação em público mas acaba sempre por ceder discretamente aos pedidos nacionais, sejam de países vagamente democráticos ou de ditaduras descaradas. Há que pensar na abertura ou manutenção de importantes mercados para as suas empresas.

Mas todo este poder não basta ao homem mais rico do mundo, que se atira agora à conquista da capital do país mais rico do mundo. Nascido fora do dito país, está constitucionalmente impedido de o presidir. Decide então apoiar um candidato presidencial, aparecendo com ele em palco num comício financiando comités que por ele fazem campanha, e transformando a tal rede social num permanente tempo de antena a seu favor. E o candidato, esse, até já lhe prometeu um lugar no Governo, num oportunamente abstrato comité de controlo da despesa, porque não há almoços grátis.

Na rede social do homem mais rico do mundo, a realidade é manipulada para ajudar o seu candidato a vencer as eleições. Diz-se que a economia do país está muito má, quando não está assim tão má. Que nunca houve tanto crime, quando este até está em queda. E que quase todos os males da nação são culpa dos estrangeiros, quando a verdade é sempre mais complexa. O homem mais rico do mundo também veio do estrangeiro, mas transformou-se, entretanto, num xenófobo no país que o acolheu.

Diz-se muitas outras coisas incríveis nessa rede social, como que os estrangeiros andam a roubar cães e gatos para os comer, ou que os socorristas que tentam auxiliar as populações atingidas por furacões gastaram o dinheiro todo com os imigrantes. Ou, pior ainda, que os socorristas estão a prender e a matar pessoas para as impedir de votar.

Diz-se também que o candidato do homem mais rico do mundo, também ele bastante rico, é o candidato dos trabalhadores, dos desfavorecidos, das vítimas dos outros ricos e poderosos. E partilham-se imagens e vídeos gerados por ferramentas de inteligência artificial para dar vida ao que não existe, para ilustrar a narrativa.

Na rede social do homem mais rico do mundo, quem tenta desmentir ou corrigir os disparates é atacado por uma turba de crédulos – que até podem não acreditar sempre no que leem, mas que dizem que se não aconteceu, caramba, podia muito bem ter acontecido. É que o homem mais rico do mundo avisou que não se pode confiar nos políticos, nos jornalistas, nos cientistas, nos meteorologistas, nos médicos ou em qualquer outra figura outrora investida de alguma autoridade. Só ele e os seus amigos é que são de confiança.

Uma história assim, sobre dinheiro e poder, sobre implantes cerebrais, 7000 satélites, robôs humanoides, algoritmos manipulados e uma eleição comprada, podia ter tudo para ser um sucesso entre os amantes das conspirações. Mas falta-lhe um ingrediente-chave: o secretismo, o fator “aquilo que eles não querem que se saiba”, o friozinho na barriga de quem julga ter desvendado um mistério nas profundezas do YouTube.

É que esta história acontece às claras. Tão às claras que escapa a quem vive de rosto mergulhado no visor do celular e prefere acreditar em cabalas de canibais pedófilos, em chips injetados por vacinas, em antenas 5G que matam pessoas, em elites que nos querem obrigar a comer insectos e em minorias que nos querem substituir por estrangeiros.

Vendo bem, até parece que essas historietas foram criadas para distrair alguém, não é?

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Pensamento do Dia

 


O poderoso chefão

É mais proveitoso para o detentor do poder se suas vítimas são inimigos; de qualquer modo, os amigos produzem resultado semelhante. Em nome de virtudes varonis, exigirá o mais difícil, o impossível, de seus súditos. Não lhe importa que estes sucumbam na execução da tarefa. É capaz de convencê-los de que é uma honra fazê-lo por ele. Através de rapinagens, cujo produto permite-lhes de início desfrutar, ele os ata a si. Servir-se-á então da voz de comando, a qual foi como que talhada para seus objetivos (não podemos, contudo, encetar aqui uma discussão detalhada dessa voz de comando, que é de extrema importância). É assim que, se entende do que faz, fará deles massas belicosas, incutindo-lhes ideias sobre a existência de tantos inimigos perigosos que, por fim, seus seguidores não poderão mais abandonar a massa de guerra que compõem.


Mas a real intenção de um verdadeiro detentor do poder é tão grotesca quanto inacreditável: ele quer ser o único. Quer sobreviver a todos, para que ninguém sobreviva a ele. Quer furtar-se à morte a todo custo; assim, não deve haver ninguém, absolutamente ninguém, que possa matá-lo. Jamais se sentirá seguro enquanto homens, quaisquer que sejam, continuarem existindo. Mesmo seu corpo de guarda, que o protege dos inimigos, pode voltar-se contra ele. Não é difícil provar que sempre teme secretamente aqueles a quem dá ordens. Sempre o assalta, também, o medo dos que lhe estão mais próximos.

Elias Canetti, "A consciência das palavras"

Emissões de metano da carne e lacticínios rivaliza com 100 maiores empresas de combustíveis fósseis

Um novo relatório publicado pelo Greenpeace Nórdico estimou que as emissões de metano de 29 empresas do setor da carne e lacticínios rivalizam com as das 100 maiores empresas mundiais do setor dos combustíveis fósseis para a emissão do gás. E aponta que mudanças sistemáticas na produção e no consumo em países de renda média e alta poderiam proporcionar um efeito de arrefecimento significativo até 2050, com alguns resultados positivos já em 2030.

Em contrapartida, se não for regulamentado, a projeção é que o setor de produção de carne e lacticínios, sozinho, aqueça o mundo em mais 0,32°C até 2050. As novas projeções baseiam-se no cenário da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) para uma trajetória de manutenção do ritmo atual de produção até 2050.

Atualmente, os cinco maiores emissores de metano do setor da carne e lacticínios são JBS, Marfrig, Minerva, Cargill e Dairy Farmers da América, segundo o relatório. As emissões dessas empresas superam as emissões combinadas de metano dos grandes gigantes dos combustíveis fósseis como a ExxonMobil, Shell, Total Energies, Chevron e BP.


A produção global de carne e lacticínios é impulsionada por uma série de grandes empresas e segue crescendo como se não existisse amanhã. No Brasil, pastagens ocupam cerca de  90% da área desmatada na Amazônia até 2023, segundo o Mapbiomas, e o relatório do Greenpeace Nórdico mostrou como as emissões de metano da pecuária rivalizam com as da indústria de combustíveis fósseis (para metano).

Segundo o relatório, a JBS, o maior produtor de carne do mundo, e conhecida por seu péssimo histórico de envolvimento com o desmatamento, é responsável por mais emissões de metano do que a ExxonMobil e Shell juntas. De fato, a empresa ocuparia o 5º lugar em comparação com as maiores empresas emissoras de metano no setor de fósseis.

Mudanças na forma e intensidade da produção de carne e laticínios é um passo crucial para mitigar as emissões de metano e desacelerar o aquecimento global – e a maneira mais eficaz de fazer isso é fazer a transição para um sistema de produção de alimentos que seja muito mais justo para nós, os animais e o planeta. 

Portanto, precisamos cortar o metano tanto das grandes empresas de criação de animais, como das grandes empresas petrolíferas. Embora a diminuição das emissões de metano possa reduzir o ritmo do aquecimento global, segue sendo essencial eliminar gradualmente a emissão de CO2 , produzido em grande parte devido ao uso de combustíveis fósseis. Só assim poderemos para lidar com o caos climático e estabilizar o clima. 

O agronegócio, que inclui a indústria de carnes e laticínios, vem deixando um rasto de destruição em todo o planeta, contribuindo fortemente para a crise climática, sendo as emissões de metano uma parte significativa do problema. Na questão do clima, o setor agropecuário precisa ser visto também como parte do problema, e ser chamado a reduzir drasticamente suas emissões. 

Neste sentido, governos ao redor do mundo (incluindo o Brasil) devem: a) atuar a partir de leis e metas oficiais para reduzir as emissões da agropecuária, incluindo o gás metano; b)obrigar as empresas a reportar publicamente sobre suas emissões; c) introduzir políticas para reduzir o consumo exagerado de proteína animal incentivando dietas mais sustentáveis, d) fomentar uma transição ecológica justa, e dentre as ações, deve estar o redirecionamento de fundos.

A dança da chuva

Era uma vez um nativo, à bordo do seu carrinho, às margens da estrada Manaus-Manacapuru, vendo um esquadrão de bombeiros assistindo, todos perplexos, à floresta amazônica começar a pegar fogo… sozinha! “Combustão espontânea?”, gritou um bombeiro. “Isso só acontece em filmes!”, disse outro. Mas ali estava ela, a floresta um dia chamada de úmida, agora se incendiando do nada. Os bombeiros, impotentes, sugeriram ligar para as universidades. “Precisamos da ajuda científica in-ter-na-ci-o-nal!” Um pesquisador respondeu: “Se tivermos mais dois verões assim, nem restará floresta para nós estudarmos!” O esquadrão, atônito, concordou. Restava apenas torcer, orar e fazer a Dança da Chuva, dos índios americanos….

E não me venham com a velha lenga-lenga de que o caboclo está tocando fogo para plantar ou fazer campo pra gado.

A floresta, antes conhecida por sua umidade constante e por abrigar uma biodiversidade incomparável, agora está se tornando mais seca a cada ano, com temperaturas mais altas e uma redução alarmante nos índices de chuva. As árvores, que antes eram um dos maiores sumidouros de carbono do planeta, estão agora vulneráveis a incêndios frequentes, muitas vezes iniciados por atividades humanas, mas que, dadas as condições atuais, parecem surgir de forma quase mágica. A “combustão espontânea” da floresta, embora seja um termo figurado, representa bem o que muitos cientistas têm alertado: a Amazônia pode estar caminhando para um ponto de não retorno.


O esquadrão de bombeiros à beira da estrada, atônito, representa a nossa impotência diante desse cenário. Eles estão ali, mas não sabem como agir. Afinal, como combater um incêndio que parece brotar da própria terra? No fundo, eles sabem que a solução não está apenas na água e nas mangueiras, mas nas mãos dos cientistas e na colaboração internacional para entender e mitigar as causas desse desastre ambiental.

A situação atual da Amazônia requer ação imediata e uma mobilização massiva da comunidade científica internacional. É imperativo colocar os institutos de pesquisa para trabalhar. Precisamos de soluções baseadas em ciência e tecnologia, e isso só será possível com a união de universidades e centros de pesquisa do Brasil e do mundo. Instituições com grande poder de pesquisa, como as universidades federais e estaduais do país, além de centros internacionais de excelência, devem ser envolvidas nesse esforço.

Os cientistas precisam investigar as mudanças climáticas que estão intensificando a seca na Amazônia e aumentar o monitoramento sobre o uso da terra. O desmatamento desenfreado, a conversão de áreas florestais em pastagens e a extração ilegal de madeira são fatores que tornam a floresta ainda mais vulnerável ao fogo. A presença de grandes áreas desmatadas cria uma espécie de “efeito dominó”, onde incêndios florestais se espalham com maior facilidade, devastando o que resta de mata nativa. E, no ritmo em que estamos, a Amazônia pode não resistir a mais dez verões severos como os que temos enfrentado. No Amazonas, o programa “COMPANHEIROS DAS AMÉRICAS”, em que o Amazonas é o estado irmão do Tennessee, as duas universidades estaduais poderiam começar uma colaboração, pois o know-how do estado americano, em barragens e plantações de várzeas, é um dos maiores do mundo.

Além da questão climática, há também a falta de fiscalização e políticas públicas efetivas que inibam a destruição da floresta. Sem controle, os incêndios — espontâneos ou não — continuarão a se proliferar. Um ponto crucial é a necessidade de criar mecanismos eficazes de prevenção de incêndios e educação ambiental para as populações locais e os produtores rurais.

As universidades brasileiras, com sua vasta capacidade de pesquisa, são um ativo inestimável nesse processo. Contudo, precisamos também de ajuda externa. As parcerias com universidades estrangeiras, especialmente aquelas especializadas em clima e biomas tropicais, podem trazer novas tecnologias e abordagens inovadoras para salvar a floresta. A cooperação internacional é essencial, porque a Amazônia não é só brasileira — ela é patrimônio da humanidade.

Se não agirmos agora, a floresta amazônica pode se transformar, em poucos anos, de um santuário exuberante em um deserto carbonizado. A situação pode até parecer absurda, como um esquadrão de bombeiros assistindo impotente à “combustão espontânea” da floresta, mas não podemos subestimar os sinais de alerta que a natureza nos envia. Se continuarmos negligenciando a Amazônia, ela realmente poderá começar a “pegar fogo do nada”, e nesse momento, não haverá: nem curupira, nem bombeiro, nem mangueira, nem ciência capaz de reverter o estrago.

A floresta, esse bebê abandonado, precisa de cuidados urgentes, e nós, como sociedade, devemos nos unir para impedir que o futuro da Amazônia seja um triste conto de cinzas.

Guerras sem paz

1.O Irão não sabe quando será atacado por Israel, em resposta aos 200 mísseis que lançou no início de Outubro e que poderiam ter causado milhares de mortos, não fosse a Cúpula de Ferro israelita. Uma coisa Teerão sabe: os americanos vão enviar uma bateria de mísseis antibalísticos THAAD, e, para abreviar razões, seguirão com cerca de uma centena de soldados americanos para operar o sistema. Por aqui já se adivinha que o ataque estará para breve. O sistema THAAD é composto por várias partes, incluindo um lançador, interceptores (mísseis), radar e uma unidade de controlo de combate. A bateria tem 6 lançadores, o que significa que 48 mísseis estão disponíveis para cada interceptação, e uma equipa muito experiente consegue recarregar em 30 minutos. Acrescentada mais esta camada defensiva à Cúpula, só falta a ordem final do primeiro-ministro israelita. Aqui há várias guerras.


2. A 21 dias das eleições presidenciais americanas, mantém-se tudo em aberto. Kamala continua com vantagem na intenção de voto a nível nacional, mas Trump está a consolidar a primeira posição em estados decisivos para o Colégio Eleitoral. Ao dia de hoje, Trump está em melhor situação do que estava em 2016 e em 2020. O ex-presidente foi à Califórnia fazer um comício gigante, só para irritar Kamala no seu próprio estado, tradicionalmente democrata. Há preocupação pelo mundo fora: um presidente em último mandato pode fazer (quase) tudo o que lhe passa pela cabeça, e a de Trump está em permanente curto-circuito. Se é que existe. Se é que tem alguma coisa lá dentro. Aqui não há paz.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Pensamento do Dia

 


Mas, afinal, quem é que são as “pessoas”?

“Quando quero saber o que as pessoas pensam, peço à minha mãe para ir ao café”, dizia-me há dias alguém que circula pelos corredores do poder. Neste focus group improvisado, a mãe vai lançando temas, ao ritmo a que se sorvem as bicas e se trincam os folhados. E o filho, feliz, lá vai percebendo que os comentadores da bolha valorizam o que lá no café não vale nada e fica, assim, com a certeza de que, apesar de todas as críticas televisionadas, a popularidade do Governo está em altas.


Há muitas pessoas. Há “as pessoas lá em casa”. As “pessoas” em quem o Governo pensa. As “pessoas” a que a oposição quer dar resposta. As “pessoas” esquecidas pelo poder. As “pessoas” que reclamam menos impostos. As “pessoas” que querem melhores serviços públicos. As “pessoas” que trabalham. As “pessoas” de bem. As “pessoas” fora da bolha.

As “pessoas” são o novo país real. São uma entidade abstrata cuja invocação cria um lugar de autoridade. “Eu sei o que as pessoas lá em casa estão a pensar”. “As pessoas não querem isso”. “As pessoas gostam disto”. Não é preciso dizer mais nada. O autor da frase transforma-se em oráculo, ungido com o poder de falar em nome das “pessoas”.

Sim, porque “é preciso pensar nas pessoas”. Quais pessoas? Ninguém sabe. Mas também ninguém sabe bem o que é o “país real”, a não ser que é um sítio que fica muito longe de Lisboa, aonde nunca ninguém vai e que políticos, comentadores e jornalistas nunca visitaram. A não ser, claro, que o invoquem. Nesse caso, são eles os iluminados com a verdade de terem visto o “país real”, que falam aos que nunca vislumbraram tal lugar e vivem em cenários de papelão, onde nunca nenhuma “pessoa” habitou.

Mas quem são, afinal, as “pessoas”? Não se exasperem. As “pessoas” podem ser qualquer um. Ou será que não? Normalmente, as “pessoas” são quem nós queremos que elas sejam. São as que nos dão jeito para defender o argumento que trazíamos na algibeira, as que estão alinhadas com os nossos pensamentos e propósitos.

E, claro, as “pessoas” fazem-nos parecer humanos e reais. Porque, no fundo, toda a gente sabe que políticos, comentadores e jornalistas não são humanos nem reais. Vivem na bolha. E cá fora estão as “pessoas”. Reconhecer isso é da mais profunda humanidade e sapiência.

Mas, claro, nem todos os humanos são “pessoas”. Ou, pelo menos, há alguns que são mais “pessoas” do que os outros. Há os ilegais e as “pessoas” de bem. Há os que servem de escudo humano aos terroristas e as “pessoas” que são vítimas. Há os que vivem em tendas e as “pessoas” que têm direito a viver em ruas limpas.

É que as “pessoas” não são o povo. O povo desapareceu dos discursos. Era muito coletivo e abstrato. E tinha o cheiro a bafio das coisas que já não se usam nem parecem modernas. O povo cheirava a povo. As “pessoas” são assépticas, modernas, prontas a viver num mundo novo. E não vão nas carneiradas das manifestações, porque as “pessoas” sabem que têm de fazer tudo por si.

As “pessoas” são empreendedoras e percebem que quando alguma coisa corre mal, a culpa também é delas, que não se esforçaram nem tiveram civismo. Ou, então, é do Estado, que falha tanto e ninguém sabe ao certo o que é, mas seguramente não são as “pessoas”. Ou talvez sejam outras “pessoas”, aquelas que vivem à conta e se encostam, mas essas não são as “pessoas” que interessam. Essas não são as “pessoas” que aparecem nos discursos dos políticos, dos comentadores e dos jornalistas.

Tantas “pessoas” e ninguém.

Civilização Ocidental

Latas pregadas em paus
fixados na terra
fazem a casa

Os farrapos completam
a paisagem íntima

O sol atravessando as frestas
acorda o seu habitante

Depois as doze horas de trabalho
Escravo

Britar pedra
acarretar pedra
britar pedra
acarretar pedra
ao sol
à chuva
britar pedra
acarretar pedra

A velhice vem cedo

Uma esteira nas noites escuras
basta para ele morrer
grato
e de fome.

Agostinho Neto

Godot virá

Ao contrário do personagem maior da obra de Samuel Beckett, o aguardado ataque de retaliação israelense contra o Irã não se fará esperar nem ficará em suspenso. Dele tivemos notícia ominosa nesta semana.

— O ataque será letal, preciso e particularmente surpreendente — informou o ministro da Defesa, Yoav Gallant, a integrantes do Serviço de Inteligência Militar do seu país. E acrescentou, sem avançar em demasia no arrosto:

— Eles [os iranianos] só compreenderão o que houve quando já tiver acontecido.

Para quem, semanas atrás, conseguiu fazer explodir milhares de pagers e celulares em mãos do até então formidável inimigo Hezbollah, deve ser tentador surfar na superioridade militar. Difícil é conseguir desescalar.


Por ora, além de prosseguir no sangramento de Gaza, Israel intensifica seus bombardeios com invasão terrestre no Líbano, abusa da força contra palestinos na Cisjordânia, alcança inimigos no Iêmen, Síria, Iraque e prepara sua resposta-surpresa aos quase 200 mísseis iranianos disparados contra seu território. Também as relações do governo de Israel com a paquidérmica ONU atingem pontos de fervura. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu simplesmente ignora as resoluções da entidade, que qualifica de “pântano de bile antissemita”. Outro dia, seu chanceler, Israel Katz, de modos e pavio curtos, declarou persona non grata o próprio António Guterres, secretário-geral da organização. Na semana passada, um tanque israelense em território libanês atingiu uma torre de observação da Unifil, sigla da força de paz internacional naquela fronteira encrencada, fazendo quatro feridos.

A Unifil tem um contingente de 10 mil “capacetes azuis” de 50 nacionalidades de integrantes da ONU. Nunca conseguiu impedir o enraizamento militar do Hezbollah no sul do Líbano — nem tentou. Por suspeitar que a milícia xiita tem usado essa proximidade como escudo, Israel chegou a emitir uma quase ordem para que a missão de paz se afastasse de algumas posições. Pedido negado. No dia seguinte, o porta-voz das Forças de Defesa de Israel (FDI), general Daniel Hagari, fez uma transmissão em inglês do interior de uma casa que disse situada na região conflagrada. Do vilarejo, veem-se apenas escombros, e o imóvel em questão está em ruínas.

— Venham comigo — convida Hagari, passando a circular pelo que resta amontoado: coletes, capacetes, granadas, rifles de precisão, de mira telescópica com visão noturna, explosivos. — Tudo empilhado para a grande invasão... um massacre em grande escala maior do que o 7 de Outubro.

O general encerra a transmissão afirmando que cada casa da região é uma base do Hezbollah e que haverão de ser eliminadas.

— Esta é uma invasão limitada e dirigida à parte norte de Israel, ok? — conclui.

Não ok. Um quarto do território do Líbano já foi submetido a ordens de evacuação por parte das FDI, com o deslocamento forçado da população em mais de cem vilas do sul e alguns subúrbios da capital densamente habitados por xiitas. Numa mensagem de vídeo dirigida a seus vizinhos bombardeados, o próprio Netanyahu lhes oferece o que seria uma escolha: “A oportunidade de salvar o Líbano antes que ele caia no abismo de uma longa guerra, que resultará em destruição e sofrimento semelhante ao que vemos em Gaza”. Por meio de seu comunicado, o primeiro-ministro garante que o Hezbollah já está enfraquecido e que, além de matar o líder máximo Hassan Nasrallah, também seu substituto e o substituto do substituto foram eliminados, cabendo portanto à população erradicar esse braço armado do Irã. Ou então, Gaza.

Gaza 1 — Na semana passada, o bombardeio de uma escola em Deir al Balah apinhada de deslocados gerou imagens ainda não vistas mesmo para quem acompanha diariamente a desumanização no enclave. Nacos, muitos nacos de carne humana e pedaços de gente sendo recolhidos por mãos aflitas, jogados num grande lençol que foi se enchendo de matéria humana ainda mole. Ao final, o grande lençol também foi levado para o hospital Al-Aqsa, com os feridos e mortos ainda inteiros.

Gaza 2 — Também na semana passada, três hospitais ainda funcionando parcialmente no setor norte de Gaza receberam prazo de 24 horas para a evacuação total de equipes médicas e pacientes. O diretor de uma das unidades, o Kamal Adwan Hospital — único da região com UTI pediátrica —, lançou um apelo ao mundo, por meio da rede noticiosa ABC News, para evitar o fechamento da unidade:

— Estes civis são inocentes, são mulheres, crianças — argumenta em árabe, enquanto mostra pacientes atrelados aos aparelhos que lhes dão vida.

Entre eles, um bebê, várias crianças entubadas, os corpos com estilhaços. É preciso contar, diz o doutor Husam Abu Safiyeh.

Sim, é preciso. É o que fazemos aqui.

A nossa degradação moral face à impunidade da guerra de Israel

Moral e política são maus parceiros. A chamada realpolitik é exatamente a expressão que traduz esse divórcio. Ou seja, uma política feita em função, acima de tudo, de um conjunto de interesses, sejam nacionais, sejam de segurança, sejam de puro exercício de poder, em causa própria ou numa causa coletiva e que, na sua execução, passa por cima de qualquer consideração moral, ou de direito internacional, que pretenda impor limites à ação política pela regulação livremente acordada, considera-se “realista”. Ou seja, tudo se pode fazer em função de um objetivo, sem qualquer espécie de constrangimento.

Nações democráticas e ditaduras atuam em função dessa realpolitik de uma forma muito semelhante, nenhuma está inocente da prática de atos que violam qualquer restrição moral e o direito internacional. No entanto, há diferenças de dimensão, dado que as democracias respondem perante as suas opiniões públicas traduzidas no voto, e as ditaduras e os ditadores não têm de dar nenhuma explicação a ninguém.

Isto significa que, mesmo sem garantia de eficácia, uma ideia moral do que se pode ou não fazer, sejam quais forem as circunstâncias, e a aceitação do primado do direito, é sempre relevante nas democracias. Mais, é uma parte constitutiva das democracias a ideia de que, para além da hipocrisia, haja coisas que não se podem fazer e que devem ser condenadas sem “mas” e punidas sem hesitação. Sancionadas duramente e os seus responsáveis punidos como criminosos que são.


É o caso da atual guerra regional que Israel conduz no Médio Oriente. Há muito que não é uma guerra de resposta ao massacre do Hamas que fez agora um ano, nunca foi uma guerra existencial pela defesa do Estado de Israel – legítima, caso fosse –, porque quem escreve estas linhas considera inaceitável a turma do “desde o rio até ao mar”. É uma guerra que aceita que, para matar um militante do Hamas ou do Hezbollah, se podem matar cem velhos, mulheres e crianças, com total indiferença, que considera normal destruir a precária infraestrutura de Gaza, casas, hospitais, escolas, tudo, sem a menor hesitação, que enuncia claros objetivos de alargamento territorial.

E não me venham com a história de que o fato de dois grupos terroristas se esconderem num escudo de civis, e usarem escolas, hospitais, instalações da ONU – coisa que eles fazem – justifica o que Israel faz. Israel tem recursos e meios para chegar aos seus objetivos militares e tempo para o conseguir sem este massacre quotidiano. Não, não é a razão militar que justifica o que está a ser feito, é considerar que ser palestino é ser terrorista, é atribuir uma culpa coletiva às populações de Gaza e do sul do Líbano que, quando inclui as mulheres, as crianças e os velhos, é moralmente obscena. E é, pela simultaneidade do que está a acontecer com os colonatos e as violências incentivadas pelo atual Governo de extrema-direita, uma guerra por território e uma limpeza étnica.

Israel é uma democracia, que beneficiava de uma simpatia em muitas democracias, mesmo sem que essa simpatia tivesse que ver com importantes comunidades judaicas, como nos EUA. Tinha simpatia muito para além do sionismo, à esquerda por exemplo, pela sua origem em certas experiências socializantes, como os kibutz. E tinha simpatia porque os seus adversários ou eram ditaduras árabes ou grupos terroristas capazes das maiores atrocidades. Israel estava no pior sítio do mundo para ser uma democracia e, mesmo quando havia preocupação pelo destino imerecido e violento dos palestinianos, a ideia de que tinha todo o direito de se defender dos seus péssimos vizinhos era muito consensual.

Hoje, tudo isto mudou e são evidentes os estragos que Netanyahu e o seu Governo fizeram ao prestígio de Israel, atuando de forma criminosa, palavra que resume tudo. E começo pelo prestígio, porque ele existiu em muita gente que era amiga de Israel e para quem a acusação, hoje vulgar, de ser antissemitas é insultuosa. Essa parte da opinião pública protegia e apoiava Israel junto dos governos das democracias. Isso acabou hoje.

Do mesmo modo, o tratamento criminoso, volto à mesma palavra, dos palestinianos deu uma nova visibilidade à sua causa, criou uma grande solidariedade e deu alento à reivindicação dos dois estados e a uma maior condenação das ações dos colonos israelitas. Aqui também há um ponto sem retorno.

Dito tudo isto, é inadmissível a complacência que a União Europeia e o Governo português têm mostrado face a esta guerra. Lestos, e bem, em condenar e sancionar a Rússia pela invasão da Ucrânia, nem de perto nem de longe responderam às violências israelitas, nem às sistemáticas violações do direito internacional, nem sequer se mexeram muito para defender a ONU e António Guterres, ambos alvos de Israel, que ataca tudo à sua frente no terreno e na diplomacia, que não merece esse nome.

Há que compreender que esta hesitação miserável da Europa (Portugal incluído), que nem sequer tem grande papel como realpolitik, a não ser nalguns países por medo eleitoral, significa uma abjeção moral e uma cumplicidade inaceitável. Degrada-nos como país e como pessoas pela imoralidade.

domingo, 13 de outubro de 2024

Era uma vez o Líbano

Devastaçãso em aldeias libanesas - Avi Scharf


A vida posta em risco na roleta

Bastou a Alexei Ivanovitch jogar uma única vez para que o vício se instalasse (Dostoeivsky, em "O Jogador"), com todas as consequências de destruição e ruína. Para o adicto, o fundamento do jogo não é ficar milionário, mas substituir o tempo real por uma mitologia que absorve a angústia do tempo e da morte. A compulsão decorre de uma seriação detentora do poder imaginário de redefinir as condições reais de vida e finitude. O motor neurótico do sistema, verdadeira raiz da paixão, é ganhar e perder sem fim, satisfação e decepção, até que o jogador se autodestrua.


Nessa época de intenso pessimismo político, moral e cultural, é também essa a lógica da religião da matéria oferecida como consolação às massas pelos cultos da prosperidade. Aposta-se que um investimento monetário em Deus retornará multiplicado. E o crupiê pastoral adverte que é a primeira coisa a fazer com o salário, pois "Deus não gosta de restos".

Na roleta financeira, os lances são altíssimos, claro, para quem pode. Mas é idêntica a pulsão: o corpo-imagem do sujeito, fabricado pelas novas tecnologias da comunicação, é instado a experimentar o gozo imediato do risco.

Agora soou um alarme: os populares jogos de apostas online, conhecidos como bets, são suspeitos de afetar negativamente o bem-estar da população e a economia nacional. "Ludópata" é a designação científica para o viciado, cujo tratamento ainda não encontra lugar em clínicas médicas.

A questão não é, porém, terapêutica. Sob o capitalismo algorítmico, toda estrutura social passa a funcionar como cassino. O projeto neoliberal consiste no desmantelamento do estado de bem-estar social e na definição do indivíduo como criador único de si mesmo, livre para a obtenção de riquezas. Cada um rodando em torno de si próprio, como uma roleta.

Esse giro, se excessivo, beira a catástrofe. O nazifascismo foi um giro alucinado e maquinal ao redor dos próprios princípios, sem admitir relações nem limite externo, ou seja, a essência mesma da loucura. O fenômeno ressurge como forma soft de poder, em que se imbricam a razão econômica, a digital e a biológica, para acabar com a distinção entre homem e máquina, entre espírito e matéria. O culto da prosperidade é aspecto popular dessa despercebida religião inespiritual, que absorve crentes e ateus.

Jogos de azar, sempre houve. O que agora acontece é a perfeita adequação entre risco e uma ordem social voltada para a construção do sujeito como empreendedor individual, descomprometido com o comum. Mas o capital disponível contempla só as classes abastadas. Nas subalternas, a carência é consolada pela retórica da prosperidade, que não aponta para trabalho produtivo, e sim para o imaginário da riqueza aleatória.

Aposta-se em tudo: na sobrevivência pessoal, no templo e agora nas bets, o novo cassino online, que o governo se empenha em legalizar, interessado apenas em arrecadar. A Fazenda criou até mesmo uma Secretaria Geral de Apostas e Prêmios. Bet é nada menos que o crack virtual, obscenamente oferecido a crianças, que se tornam crupiês mirins. Fala-se em ludopatia epidêmica, mas se esconde a fonte verdadeira da compulsão. A hipocrisia é oficial.

O homem, a guerra, o desastre e o infortúnio

Que estranho bicho o homem. O que ele mais deseja no convívio inter-humano não é afinal a paz, a concórdia, o sossego coletivo. O que ele deseja realmente é a guerra, o risco ao menos disso, e no fundo o desastre, o infortúnio. Ele não foi feito para a conquista de seja o que for, mas só para o conquistar seja o que for. Poucos homens afirmaram que a guerra é um bem (Hegel, por exemplo), mas é isso que no fundo desejam. A guerra é o perigo, o desafio ao destino, a possibilidade de triunfo, mas sobretudo a inquietação em ação. Da paz se diz que é podre, porque é o estarmos recaídos sobre nós, a inatividade, a derrota que sobrevém não apenas ao que ficou derrotado, mas ainda ou sobretudo ao que venceu. O que ficou derrotado é o mais feliz pela necessidade iniludível de tentar de novo a sorte. Mas o que venceu não tem paz senão por algum tempo no seu coração alvoroçado. A guerra é o estado natural do bicho humano, ele não pode suportar a felicidade a que aspirou. Como o grupo de futebol, qualquer vitória alcançada é o estímulo insuportável para vencer outra vez.


Imaginar o mundo pacificado em aceitação e contentamento consigo é apenas o mito que justifique a continuação da guerra. A paz é insuportável como a pasmaceira. Nas situações mais vulgares, nós vemos a imperiosa necessidade de desafiar, irritar, provocar, agredir, sem razão nenhuma que não seja a de agitar a quietude, destruir a estagnação, fazer surgir o risco, a aventura. É o que leva o jogador a jogar, mesmo que não necessite de ganhar, pelo puro prazer de saborear o poder perder para a hipótese de não perder e ganhar. A excelência de nós próprios só se entende se se afirmar sobre o que o não é.

Numa sociedade de ricaços ninguém era feliz. Seria então necessário que por qualquer coisa houvesse alguns felizes sobre a infelicidade dos outros. O homem é o lobo do homem para que este possa ser o cordeiro daquele. Nenhuma luta se destina a criar a justiça, mas apenas a instaurar a injustiça. O homem é um ser sem remédio. Todo o remédio que ele quiser inventar é só para sobrepor a razão ao irracional que de fato é. Toda a história das guerras é uma parada de comédia para iludir a sua invencível condição de tragédia. A verdade dele é o crime. E tudo o mais é um pretexto para o disfarçar. A fábula do lobo e do cordeiro já disse tudo. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais imaginação para inventar razões. A superioridade do homem sobre o lobo é que ele tem mais hábitos de educação. E a razão é uma forma de sermos educados.”
Vergílio Ferreira, "Conta-Corrente IV"

Day after?

Alguém viu "o dia seguinte" ultimamente? Nos estúdios de televisão, eles disseram que era a única coisa que impedia a vitória, mas desapareceu. Sem deixar rastros. O governo não está pedindo a ajuda do público em sua caçada por ele. 

O povo de Hitler

Não é porque a historiografia trata de eventos que já aconteceram e por definição não podem mais ser alterados que ela não avança. O acesso a mais fontes, mudanças em perspectivas teóricas, além do desenvolvimento de novas tecnologias, permitem quando não recomendam a reinterpretação de fatos pregressos.

Em "Hitler´s People" (o povo de Hitler), Richard Evans tenta responder àquelas questões que jamais vão embora. Como os alemães, um dos povos mais instruídos da Europa, puderam apoiar Hitler? Por que persistiram por tanto tempo nesse apoio?


Evans toma como modelo obras consagradas sobre o nazismo, como as de Joachim Fest e Ian Kershaw, e se beneficia da abertura, nos anos 90, de arquivos soviéticos que lançaram novas luzes sobre velhas figuras. Esse material não provoca nenhuma reviravolta interpretativa, mas fornece detalhes importantes.

Evans tenta responder às questões seminais traçando perfis das figuras que tornaram o nazismo possível. E o faz em camadas. Começa com Hitler, continua com os paladinos (Göring, Goebbels, Röhm, Himmler, Von Ribbentrop, Rosenberg e Speer), passa a uma espécie de segundo escalão, no qual se destacam personagens como Heydrich, Streicher e Von Pappen, e conclui com o que chama de "instrumentos", pessoas que não tinham envolvimento profundo com a cúpula nazista, mas trabalharam a favor dessa ideologia, como a cineasta Leni Riefenstahl e o general Von Leeb.

O resultado são quase 600 páginas muito bem escritas e altamente informativas. Ficamos sabendo não apenas o que os biografados fizeram nos anos sombrios do nazismo mas também como, em alguns casos, operaram paras se livrar das responsabilidades. Speer, por exemplo, teve sucesso em fazer uma espécie de lavagem de seu passado nazista.

Evans também se beneficia do afastamento temporal. Para os contemporâneos do nazismo e as primeiras gerações posteriores a ele era importante, por exemplo, tentar pintar Hitler como uma figura que de alguma forma não pertencia à humanidade. Hoje sabemos melhor do que humanos são capazes.

Com cesáreas sem anestesia e recém-nascidos subnutridos, palestinas pagam alto preço

"Tudo o que sabemos da guerra conhecemos por uma 'voz masculina'", reflete a Nobel de Literatura Svetlana Alexijevich nas primeiras páginas de um dos seus mais famosos livros, "A guerra não tem rosto de mulher", escrito a partir de relatos femininos da Segunda Guerra Mundial. Embora décadas separem os dois acontecimentos, grande parte do que vem a público sobre o conflito na Faixa de Gaza, que completa um ano nesta segunda-feira, também são informações sem gênero. Um relatório da organização internacional ActionAid, porém, revelou as consequências ocultas da ofensiva israelense na vida das palestinas — de cesáreas sem anestesia devido ao colapso no sistema de saúde, a um ambiente de completa insegurança dentro de abrigos superlotados e bebês que já nascem subnutridos na esteira da subnutrição de suas mães.



Cerca de 42 mil pessoas foram mortas durante os confrontos na Faixa de Gaza no último ano, entre elas mais de 11 mil mulheres. De acordo com estimativas das Nações Unidas, 37 mães são mortas diariamente no enclave, e até 25 mil menores perderam ao menos um dos pais.

Além das vítimas fatais e dos milhares de feridos, a guerra provocou uma profunda crise de deslocamento para os cerca de 2 milhões de sobreviventes — muitos, obrigados a migrar de abrigo mais de uma vez. Os constantes deslocamentos têm um peso ainda maior sobre as mulheres, que relataram uma enorme perda de privacidade e segurança, sendo vítimas de assédio e abuso em acampamentos superlotados, aponta o relatório "Agentes de mudança: O papel das organizações lideradas por mulheres da Palestina na crise", da ActionAid.

— No passado, as paredes eram nossa proteção. Hoje, é apenas um pedaço de náilon — relatou uma palestina ouvida pela organização.


De acordo com o documento, divulgado em primeira mão no Brasil pelo O GLOBO, 39% das palestinas sofreram ao menos uma forma de violência doméstica após a guerra, com 14% relatando terem sido vítimas de agressões físicas e 18%, de abuso financeiro. Segundo a ActionAid, conflitos como Gaza são propícios para "ameaças crescentes de estupro, feminicídio, casamento forçado, exploração e desapropriação da vida, do corpo e do território das mulheres".

O ambiente de instabilidade causado pelos deslocamentos frequentes tem incentivado homens a impor o casamento forçado às meninas de suas famílias como um "mecanismo de sobrevivência" em meio à falta de alimentos, fechamento de escolas e o temor de que sejam vítimas de violência sexual nos abrigos.

— Casamento precoce! Nenhuma lógica está ajudando as pessoas [a entenderem], não conseguimos alertá-las para que não façam isso. Os homens pensam em proteger suas meninas por meio do casamento. Mesmo que ela tenha sido abusada sexualmente quando casada, é melhor do que quando não está casada — relatou Buthaina, diretora da Wefaq Association for Women and Childcare, ONG palestina que apoia mulheres em Gaza.

Mesmo diante dessas condições, elas têm assumido jornadas dobradas de trabalho em campos de deslocados, que vão desde a funções fisicamente desgastantes, como carregar enormes baldes de água e cozinhar em fogueiras abertas, até se encarregarem de responsabilidades adicionais de cuidado. Em meio à escassez de alimentos, depoimentos do relatório destacam que muitas têm optado por comer por último e em menor quantidade para garantir que toda a família esteja alimentada.

— A pior coisa que as mulheres fazem é se colocarem em último lugar em tudo, as últimas da lista, despriorizando a si mesmas e cuidando dos outros — comenta Hala, membro da Alianza por la Solidaridad, organização humanitária espanhola parceira da ActionAid.

Na Cisjordânia, que viu uma escalada das tensões após a eclosão da guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, a situação também é dramática. Segundo o documento, palestinas sofrem com a violência tanto de soldados israelenses quanto de colonos, que muitas vezes demolem arbitrariamente residências na região. Em um dos depoimentos coletados pela organização, uma ativista de Hebron disse que viu uma vizinha ser “levada para dentro de uma sala [por soldados israelenses], todas as suas roupas [foram] tiradas e [eles] deixaram [um] cachorro atacá-la na frente do marido e dos filhos”.

— É terrível que essa guerra tenha continuado por tanto tempo sem um cessar-fogo. Estamos extremamente preocupados com as mulheres e meninas com quem trabalhamos em Gaza, bem como na Cisjordânia, que está se tornando mais perigosa e volátil a cada dia — conta ao GLOBO Riham Jafari, coordenadora de Advocacy e Comunicações da ActionAid Palestina.

A destruição quase total do sistema de saúde em Gaza também representa um duro golpe às palestinas. Segundo a ONU, há cerca de 155 mil mulheres grávidas ou amamentando no enclave. Embora estimativas apontem que 183 mulheres deem à luz todos os dias, com um bebê nascendo a cada dez minutos, apenas dois dos 12 hospitais parcialmente em funcionamento hoje têm uma maternidade — antes do conflito, 36 estavam operando. Nesse cenário, as mulheres são forçadas a parir sem os cuidados devidos, incluindo cesarianas e operações de emergência "sem esterilização, anestesia ou analgésicos".

Por outro lado, a escassez de alimentos e a falta de atendimento pré-natal elevou o número de abortos espontâneos, partos prematuros e complicações. De acordo com Adnan Radi, consultor e chefe do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital al-Awda, há bebês já nascendo com desnutrição:

— A fome afeta negativamente muitas mulheres grávidas, e as crianças ficam desnutridas desde o nascimento.

Sem o fornecimento suficiente de contraceptivos, o risco de gravidez indesejada também aumentou, segundo a ActionAid. Mesmo outros métodos além dos preservativos e das pílulas, como o DIU, são difíceis de serem adotados.

— A inserção de um DIU não é possível devido à falta de esterilização dos materiais necessários para o médico inseri-lo. A esterilização e a limpeza são limitadas e indisponíveis, levando à disseminação de infecções — pontua Feryal Thabet, gerente de um centro de saúde para mulheres.

Outra face da crise sanitária no enclave são as condições de higiene às quais as mulheres estão submetidas nos abrigos. Segundo a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), 690 mil mulheres e meninas menstruam em Gaza. A falta de acesso a absorventes e produtos de limpeza, porém, tem sido uma preocupação. Segundo especialistas da ONU, aquelas que conseguem acesso a pílulas anticoncepcionais têm feito uso contínuo para evitar menstruar em condições anti-higiênicas. Outras precisam enfrentar banheiros compartilhados com centenas de pessoas.

— No momento, a falta de produtos de higiene é um grande problema. Nossos parceiros estão distribuindo kits de higiene repletos de itens essenciais, como sabonete, shampoo e produtos para menstruação — contou Jafari à reportagem, explicando que também são distribuídos alimentos e roupas, transferências em dinheiro para mulheres comprarem diretamente o que precisam.

Por outro lado, sem um cessar-fogo no horizonte para o conflito que já dura 365 dias, as consequências podem ser ainda maiores para elas.

— No curto prazo, estamos extremamente preocupados com a chegada do inverno [verão no Hemisfério Sul]. Mulheres e meninas já estão gravemente debilitadas pela desnutrição e não têm roupas quentes nem abrigo adequado contra a chuva e o frio que se aproximam, o que as deixará mais suscetíveis a doenças e enfermidades — destacada Jafari. — Em longo prazo, as meninas de Gaza perderam um ano inteiro de educação, e toda a população sofreu um trauma profundo. Isso terá consequências graves para o futuro delas.

Por isso, pontua a coordenadora, "suas vozes e perspectivas não podem ser deixadas de lado" no dia seguinte do conflito:

— Chegou a hora de as partes interessadas locais e internacionais valorizarem a contribuição essencial das mulheres, aumentando o financiamento para organizações lideradas por mulheres e garantindo que elas tenham um lugar à mesa quando decisões cruciais sobre a Palestina e seu futuro estiverem sendo tomadas.