O “zero um” usou a entrevista para transmitir recados aos que pretendem receber o apoio político do pai na eleição presidencial de 2026. Segundo o senador fluminense, o compromisso com a concessão de um indulto a Jair Bolsonaro – indicação de que a família assume que não há defesa jurídica capaz de livrar o chefe de uma condenação à prisão – é o mínimo que Bolsonaro espera receber em troca da unção. O “fulano ou fulana”, como disse Flávio, que pretende obter o apoio político do réu no pleito do ano que vem precisará ir “muito além disso”. Considerando que o Supremo Tribunal Federal (STF) decerto julgará inconstitucional um eventual indulto a Bolsonaro, o ungido deverá mostrar publicamente disposição para “brigar com o STF” e, inclusive, para fazer “uso da força”, se for preciso.
Ao que tudo indica, Bolsonaro entrou em modo desespero ao se ver premido pelas circunstâncias jurídica e política que o cercam, uma intimamente ligada à outra. À medida que seu destino penal fica cada vez mais claro, vale dizer, a condenação criminal pela tentativa de golpe e a manutenção de sua inelegibilidade, mais os partidos de centro e de direita que pretendem se opor à candidatura lulopetista em 2026 caminham em direção à independência do bolsonarismo. Os movimentos políticos nesse sentido são evidentes. Ademais, por mais que Flávio tenha se esforçado para dizer que o debate sobre a anistia aos golpistas “está mais vivo do que nunca”, na realidade ninguém mais em Brasília trata como séria a perspectiva de avanço de uma agenda que, como ficou claro, interessa apenas a Bolsonaro e a rigorosamente mais ninguém.
A chantagem explícita – condicionar o apoio político de Bolsonaro à concessão de um indulto juridicamente descabido e a um compromisso de confronto violento com o STF – não é apenas mais um atentado à ordem constitucional sustentada, entre outros pilares, pela separação de Poderes. É uma declaração de guerra à própria democracia brasileira. A desfaçatez com que o sr. Flávio Bolsonaro disse o que disse mostra que o senador não traiu a genética: o golpismo corre nas veias da família. São declarações de evidente desdém pelos limites institucionais estabelecidos pelo regime democrático.
Não chega a ser uma novidade, pois sempre que as leis e as instituições contrariaram os interesses do clã Bolsonaro, as “saídas”, digamos assim, cogitadas passaram, necessariamente, por intimidações, ameaças e movimentos de ruptura. A rigor, a entrevista de Flávio Bolsonaro dá sequência a uma longa trajetória de desrespeito do bolsonarismo à ordem democrática. Recorde-se da infame história pública do mau militar, mau deputado e mau presidente, passando pela ameaça feita por Eduardo Bolsonaro, ainda em 2018, sugerindo que bastariam “um soldado e um cabo” para fechar o STF, até a cogitação de um golpe de Estado em 2022, culminando na Ação Penal 2.668, ora em curso.
Ainda assim, é inaceitável que um senador da República, em pleno exercício do mandato, articule um discurso de enfrentamento violento às instituições republicanas, particularmente o STF, como fez o sr. Flávio Bolsonaro na entrevista à Folha. A sociedade brasileira não pode normalizar o golpismo escancarado em português cristalino, nem muito menos ceder a chantagens de quem coloca os interesses mesquinhos de sua família acima da estabilidade social, política e econômica do País.
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