sexta-feira, 6 de junho de 2025

A paz dos insetos mortos

Fui a Campos no fim de semana. Fazia tempo que eu não pegava uma estrada. Foram mais de quatro horas para ir e outras tantas para voltar. Tudo tranquilo: pista dupla, asfalto lisinho, aquela parada famosa pelas coxinhas de feijoada e pizza, pastos bucólicos com vacas indiferentes ao trânsito. No meio do caminho, um inseto se esborrachou contra o para-brisa. Um. Só um, um único, ao longo de quase 300 quilômetros de chão, quatro horas e 25 minutos de relógio.

Quando eu era criança, havia tantos insetos nas estradas que era preciso parar com frequência para lavar o vidro, opaco de tantos bichinhos esmagados. Cada viagem era uma hecatombe.

O para-brisa que foi e veio limpo me lembrou “Primavera silenciosa”, o clássico de Rachel Carson que, em 1963, mudou a maneira como nos relacionamos com pesticidas. Naquela época, venenos agrícolas, considerados a literal salvação da lavoura, eram pulverizados em abundância por toda a parte, sem contraindicações.

Não esqueço o fumacê percorrendo os bairros do Rio, e isso foi outro dia. Aquela névoa bíblica e fedorenta, se espalhando pelas ruas como se estivesse purificando o ar, era celebrada como uma grande ação sanitária. Os mosquitos sumiam por um tempo e voltavam mais fortes. Os insetos mais fracos sumiram para sempre.


Rachel Carson percebeu que havia pássaros demais morrendo, juntou dois e dois (e mais uma quantidade de evidências irrefutáveis) e chamou a atenção para a calamidade ecológica em curso. Para ela, “pesticidas” era uma palavra enganosa, que sugeria algo direcionado e bem controlado; preferia chamá-los “biocidas”, agentes de morte em larga escala. Seu alerta, que parecia radical (e que foi, naturalmente, atacado com violência pelos fabricantes de agrotóxicos) estava certo, e trouxe os aspectos negativos dos “defensivos” para o centro do debate público. Poucos livros, antes ou depois, tiveram tamanho impacto.

Desde então, muita coisa mudou — nem sempre para melhor. Estudos apontam para o desaparecimento vertiginoso de insetos. Nos últimos 30 anos, sua biomassa diminuiu cerca de 80% ao redor do planeta. “Biomassa”, em ecologia, significa a massa total de organismos vivos em determinado ecossistema. Em outras palavras, há muito menos inseto no mundo. Muito, muito menos.

E nem precisamos mais de pesticidas. Uma matéria do britânico The Guardian, que passou quase despercebida entre tantos relatos horripilantes de guerras e atentados, informou terça-feira que as mudanças climáticas estão acabando com os insetos mesmo em áreas de conservação ambiental. Eles são extremamente sensíveis a alterações de temperatura, à falta de chuvas, a secas e enchentes.

Hoje há 75% menos de insetos voadores na Alemanha do que havia há três décadas, e a Alemanha, possivelmente, nem é o pior dos casos, é apenas o que mede com mais rigor. Nos Estados Unidos, algumas espécies de besouros encolheram 83%. Em Porto Rico, áreas de floresta tropical registram 60 vezes menos insetos do que antes.

Aqui, não é preciso nem estudo — basta pegar uma estrada. Ou nem isso: há quanto tempo você não vê um vagalume? Uma borboleta? Um besouro batendo contra a vidraça?

Essas estatísticas não são só números. São sinais de um colapso silencioso e profundo, que já afeta toda a vida sobre a Terra. A ausência de insetos pode parecer um alívio para quem só se lembra das picadas ou dos para-brisas sujos, mas é, na verdade, uma catástrofe sem precedentes.

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