Poucas lideranças parecem preocupadas ou capazes de medir a consequência de seus atos. Conflito institucional é nome elegante demais para o que se passa.
É melhor dar nome a alguns desses bois, antes de passar a mais abstrações.
O então juiz Sergio Moro pulava cercas legais a fim de dar impulso político a seus processos e juízos, como no caso do vazamento do grampo de Dilma Rousseff, mas não apenas.
Ministros do Supremo tomam decisões ou instituem inquéritos de legalidade avacalhada a fim de contra-atacar, com bons ou péssimos motivos, a militância politizada de procuradores, por exemplo. No meio da zorra, censuram a imprensa, como no caso da revista Crusoé.
Parte do Congresso (por revanche) e parte do bolsonarismo (em sua guerrilha anti-establishment) querem assediar, depor ou aposentar ministros do STF e controlar o Supremo.
O presidente da República e a falange da ala antissistema do bolsonarismo hostilizam o Congresso. Por atos e omissões, Bolsonaro ataca a ideia de governo articulado e organizado, a começar pelo seu próprio.
Parte relevante da elite econômica acredita que vale quase tudo a fim de implementar um programa econômico, sendo corresponsável pela degradação.
Por omissão, colaboração cúmplice ou mesmo militância feroz, aceita arreganhos autoritários e o envenenamento do convívio democrático. Despreza as ideias de que o país precisa de paz social mínima e a de que um governo precisa de líderes com um mínimo de capacidade administrativa, política e intelectual.
O vale-tudo começa com o laceamento da lei, a tentativa de passar do limite da responsabilidade para o território da irresponsabilidade, onde o folgado institucional tenta manipular o jogo político e legal.
Dão jeitinhos, burlam normas, “se colar, colou”, extrapolam seus poderes, interpretam liberalmente as regras, de acordo com sua conveniência e seu particularismo atrozes. Nesse terreno se constrói a casa de tolerância do malandro com aspirações autocráticas.
Dessas feitorias pioneiras do arbítrio, várias lideranças do país, públicas e privadas, lançam ataques umas contra as outras e contra direitos em geral.
Essa mesquinharia temperada de autoritarismo faz com que a desordem política e econômica seja cada vez maior, assim como o risco de um acidente ou atentado institucional mais grave.
Dessas feitorias pioneiras do arbítrio, várias lideranças do país, públicas e privadas, lançam ataques umas contra as outras e contra direitos em geral. Essa mesquinharia temperada de autoritarismo faz com que a desordem política e econômica seja cada vez maior, assim como o risco de um acidente ou atentado institucional mais grave.
Essa descrição sumária vale para aspectos do governo Dilma Rousseff, em que a corrupção ainda mais sistemática e o esbulho mais ou menos legal, mas imenso, das contas públicas se tornaram instrumento político básico.
Vale para aspectos da Lava Jato, do juizado Moro, das monocracias tumultuárias do Supremo. Vale para o governo Bolsonaro e para os jacobinos reacionários e iletrados do bolsonarismo. Vale para empresários que pagam para ver qualquer reforma e cobram qualquer preço deste país de democracia periclitante.
Trata-se apenas de um esboço preliminar de descrição da crise. Como chegamos a esse ponto é assunto para outras colunas, as quais, no entanto, talvez tenham de imediato de se ocupar do risco de chegarmos a um ponto sem volta. Acontece. Nem é preciso falar de Venezuela. Há exemplos mais próximos, do Rio à Argentina.
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