Por outro lado, morro de medo de que ao pesquisar, por exemplo, “Governo Bolsonaro, próximos seis meses”, os resultados me atirem para um passado remoto, digamos, uns cinco séculos atrás.
Recentemente, ao passar os olhos pelo Facebook, fui surpreendido por um debate animado, tendo como foco as declarações de um membro do atual governo brasileiro, que defende o terraplanismo. Pessoas inteligentes, sérias e respeitáveis afadigavam-se, listando argumentos para justificar a sua convicção de que vivemos num planeta esférico.
Os mesmos políticos começarão a defender o regresso da Santa Inquisição, desta vez não já subordinada à Igreja Católica, mas à IURD, para perseguir comunistas, maconheiros, os hereges católicos papistas, os satanistas do candomblé e da macumba, e toda essa colorida trupe de transviados sexuais, que Lula e o PT tiraram dos armários.
Lula, aliás, será dos primeiros a arder na pira. Muitos se seguirão, incluindo, suspeito, a generalidade dos escritores brasileiros (e quase todos os colunistas deste jornal).
Em vez de discutir a esfericidade do globo, que me parece um tema basicamente chato, preferia debater outros assuntos, igualmente em voga na Idade Média. Por exemplo, a carne dos barometz, os famosos carneiros tártaros, que comprovadamente brotam dos frutos de uma grande árvore, pode ou não ser considerada vegetal? E, sendo considerada vegetal, podemos então consumi-la durante o jejum pascal sem receio de ofender a Deus Nosso Senhor?
Outra questão: neste plano planeta em que habitamos, onde se encontram, afinal, os cinocéfalos, as melosinas e as sereias? Tenho mais interesse nas sereias e nas melosinas do que nos cinocéfalos, essas prodigiosas criaturas com corpo humano e cabeça de cão, mas ainda assim gostaria de saber em que país se escondem. Talvez o feiticeiro imperial da nação, pai espiritual do grande líder e de todos os terraplanistas brasileiros, o filósofo Olavo, nos possa esclarecer.
Sejamos sinceros: o que o Brasil tem hoje não é um governo — é um anacronismo. Nem Bolsonaro nem os seus ministros produzem algo que se assemelhe a um pensamento novo. Eles não são capazes de gerar ideias — apenas recordações. Muito menos ideais. Fico com a impressão de que Bolsonaro nem sequer pertence ao domínio da análise política, mas da paleontologia. Nunca o passado foi tão ameaçador.
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