Uma das peças de resistência da presidente Dilma Rousseff tem sido a alegação de que seu governo se pauta de forma republicana, sem interferir no andamento de ações que investigam a ela própria ou seus aliados. De fato não havia, até agora, episódios significativos que contrariassem este argumento. Mas o sinal amarelo acendeu, com a substituição de José Eduardo Cardozo por um homem da confiança de Jacques Wagner, no Ministério da Justiça. Nitidamente a presidente cedeu às pressões do PT e de Lula, que viviam pedindo a cabeça de Cardozo, por considerá-lo um frouxo no monitoramento da Polícia Federal.
É mais um capítulo da “guerra-fria” entre Dilma e Lula. A relação entre a criatura e o criador lembra aquele casal pequeno burguês da Ópera do Malandro, obrigados a viver sob o mesmo teto “até que a casa caia, até explodir o ninho, até o fim dos dias”. Não se suportam, é verdade, mas um depende do outro para sobreviver.
A presidente sempre tem cedido, para prolongar o fim do casamento. Quer dizer, cede, sem ceder. Por pressão do seu criador, defenestrou o ministro Joaquim Levy. Manteve, porém, o essencial da política econômica e namora com medidas capazes de provocar infarto de miocárdio em muitos petistas: reforma previdenciária, teto para os gastos públicos, restrições a aumentos reais do salário mínimo.
A mesma dança pode ter acontecido, agora, na troca da guarda no Ministério da Justiça. Dilma pode ter entregado os anéis para preservar os dedos. Diante de um Lula às raias da loucura - capaz de tudo para limpar a sua folha corrida - concordou com a degola. Mas não nomeou como novo ministro quem seu criador e a cúpula petista desejavam: o deputado petista Wadih Damous, ex-presidente da OAB.
Damous era o homem escalado pelo lulopetismo para por um freio na PF, para “disciplinar” e “monitorar” suas ações, para submetê-la ao controle férreo do Palácio do Planalto, leia-se, dos interesses do caudilho de impedir os avanços das investigações.
Até certo ponto e grau, a opção de Dilma por um nome de perfil mais moderado, o procurador Wellington Lima, bem como sua decisão de manter, por ora, o chefe da PF, Leandro Daiello, não são coincidentes com os planos de um Lula impaciente e disposto a soltar seus cachorros para cima de sua criatura, se ela não o blindar suficientemente.
Dilma viverá, portanto, nova prova dos nove.
A Lava-Jato tem sua dinâmica própria. Suas investigações não são determinadas ou controladas pelo Planalto. A Polícia Federal tem sua autonomia funcional. Além disso, uma nova cultura vem se formando no país, graças à ação do Ministério Público, da Justiça e do próprio aparato policial. Nesta nova cultura, extremamente republicana, não há homem acima de qualquer suspeita.
Qualquer retrocesso terá impacto fortíssimo na sociedade, para não dizer na própria Polícia Federal. Já imaginaram uma greve da PF, contra ingerências nas investigações, na autonomia funcional da corporação? Seria um escândalo internacional.
Dilma sabe de tudo isto. O seu problema é que Lula só quer saber de salvar a sua própria pele. Exige demonstrações de “fidelidade” sob pena de autorizar o PT a tocar fogo no circo.
Vontade não falta, para muitos petistas. Segundo eles, Dilma traiu a causa. Ou, como disse o senador Lindemberg Farias, de forma pouco sutil: “a presidente escolheu uma pauta que vai contra os nossos”.
Diante do avanço da Lava-Jato, Lula não se contentará apenas com os anéis. Exigirá também os dedos: a transformação da PF e do Ministério da Justiça em correias de transmissão de seus interesses pessoais e partidários.
Ainda assim será pouco. Vai exigir também mudança de rota na política econômica. Nelson Barbosa que se cuide. E o novo ministro da Justiça também.
O sonho de consumo de Lula é ter no cargo um comissário mão de ferro, capaz de fazer tudo que o mestre mandar.
Só falta conferir se Dilma está disposta a se imolar para salvar Lula.
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