E ainda mais curioso é discutir como uma instituição ou um grupo deve permanecer no tempo, enquanto seus membros desaparecem.
Tenho falado sobre papéis e instituições sociais porque é por meio de papéis sociais que nos tornamos parte do mundo e nele atuamos. Não entramos no teatro da vida por escolha ou eleição, mas por destino. Um dia, percebemos que somos membros de uma família e de uma casa como filho, irmão, sobrinho e neto. Como uma “excelência” ou um humilde filho de família. No entanto, descobrimos que a casa tem normas. Não desonramos seus fundadores, insultamos os empregados ou roubamos os seus recursos.
Logo aprendemos que, entre ficar com os estranhos ou com os parentes, ficamos com os segundos. Ademais, temos uma aguda consciência de que perder o laço com a casa, colocando-se contra ela, nos levaria ao temível mundo da rua. Um universo é governado pela lei – essas leis que no Brasil são apresentadas e impostas por escrito e de modo impessoal (quase sempre de cima para baixo – do governo para a sociedade) – o justo oposto daquilo que ocorre em casa. Como advertia Gilberto Freyre no livro Ordem e Progresso, ainda não aprendemos que tão importante quanto inventar novas leis, é preparar a sociedade para as mudanças que elas objetivam. Sem tal preparação, as leis simplesmente “não pegam”...
Além disso, nossas ações em “casa” afetam um pequeno grupo, mas na “rua” (no mundo público) afetam bairros, cidades, Estados, partidos políticos e o País. Daí a questão: pode uma pessoa proceder como um irmão quando ocupa um papel público que lhe foi dado pelo Estado e cujo desempenho afeta óbvia e irremediavelmente a vida coletiva?
Que tipo de conduta caberia a um “homem público”? Por exemplo, a um senador? Qual seria o comportamento mais apropriado e o menos desejado? Um senador tem limites para o que pode ou não fazer? Existem atos incompatíveis com esse papel?
Tudo isso contém uma sensatez alarmante. Acima de tudo quando os jornais diariamente estampam membros do parlamento e do governo falando em insidiosas conspirações quando qualquer ética distingue – não obstante a legitimidade e a dureza do jogo político – o correto e o honrado dos seus contrários. E, pela mesma moralidade, o que é da parte e do clã ou do partido, e o que é do todo – do tesouro das coletividades.
O que não desce pela goela do cronista é a desmedida e pornográfica propina que tem regado os bens desses que, brutalmente enriquecidos pelo nosso trabalho, não labutam por nós, e se aristocratizaram pela política. Política perversamente transfigurada numa atividade paradoxalmente contra e não a favor das instituições.
A grande reforma política, a mais profunda, necessária e honesta não é a que discute filigranas, imitando ou não os tais “países adiantados”. É a que entende que uma das maiores consequências da igualdade como um valor e como lei é a dissolução do elo entre o público e o privado, entre a casa e a rua.
Para tanto, será preciso meditar se quem desempenha voluntariamente papéis públicos pode ser senhor de sua vida particular. Pois todo comportamento que perturbe o desempenho de um papel pertencente ao povo (como, por exemplo, o de senador, pois o povo é obviamente o Senado que o expressa) está sujeito ao escrutínio da dúvida ou a alguma penalidade.
Numa democracia, as divisões ou segmentações são permanentes, mas superáveis. Não há um fosso entre a casa e a rua conforme sugeri faz tempo e o modo mais simples de liquidá-lo é aprender a dizer não a si mesmo.
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