segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A besta negra

Ao longo dos últimos 12 mil anos, surgiram diferentes civilizações humanas que se desenvolveram em outras ou simplesmente desapareceram. Os gregos deixaram uma herança que até hoje anda por aí, em costumes do Ocidente e do Oriente. Já o pessoal da Ilha de Páscoa, por exemplo, fabricante daquelas famosas carrancas, hoje em território marítimo do Chile, ninguém sabe onde foi parar.

Agora, biocientistas acabam de criar um novo termo para nomear essa era de civilizações que conviveram ou se sucederam, a marcar a presença do homem sobre o planeta. Há alguns milhares de anos, segundo eles, estamos vivendo o Antropoceno, um período de domínio do homem sobre a terra, como já houve antes os de anfíbios, répteis e lagartos.

Não sei se o Antropoceno está fadado a se encerrar com o futuro desaparecimento do homem da face da terra, como foi o caso dos dinossauros. Mas acho que é possível identificar onde esse perigo começou a se tornar crítico.


A ciência e suas consequências tecnológicas devem ser sempre um orgulho para a espécie humana que, graças a elas, pode viver mais e melhor. Mas, junto com os benefícios que nos trouxeram, elas também ajudaram a piorar nossas vidas, desde a descoberta do fogo, o uso do aço ou a invenção da pólvora, alcançando o auge dessa paradoxal maldição com a criação da indústria e seu reinado duradouro.

A indústria nos cobrou o preço amargo do trabalho sub-humano, dependente e mal remunerado (quando era remunerado), da superestimação da máquina em detrimento do homem, de nossa sujeição a progresso e consumo a qualquer custo. Ela nos revelou a viabilidade do Apocalipse com a violência de seus meios e com o genocídio provocado pelo permanente crescimento das diferenças sociais de classe.

Os juros das benfeitorias, dos remédios que prolongam a vida, dos meios rápidos de transporte, do entretenimento ao alcance de todos, são responsáveis pela perda de nosso caráter, eliminando nossa vontade para atender a nossos desejos.

A besta propulsora dessa destruição, o combustível da insensatez, sempre foi o petróleo, a bosta negra vinda da profundeza dos infernos. Entre outras coisas, o petróleo, a quem prestamos vassalagem como a um deus da fertilidade, uma maravilha que pode tudo parir, foi quem deu à luz e ainda é o principal responsável pela poluição que ameaça acabar conosco. E, conosco, o planeta.

O mundo mais esperto já reage a isso há algum tempo. Barack Obama faz o marketing pessoal do Bolt EV, carro elétrico da Chevrolet que deve chegar ao mercado no fim deste ano. Alemães e chineses fazem altos investimentos em energia solar, já com alguma consequência. Na Holanda, faz-se experiências bem-sucedidas com energia eólica.

O Irã sai de um embargo de anos, jogando para baixo o preço do barril de petróleo, liquidando suas reservas acumuladas e acabando com a economia de países como Venezuela e Arábia Saudita, que vivem do “ouro negro”. O petróleo, que já sustentou o imperialismo econômico e militar dos Estados Unidos durante o século XX, hoje sustenta o luxo dos xeques e as armas do Estado Islâmico.

Ainda não nos caiu a ficha pública de que ninguém mais deseja o discutível petróleo do Brasil e, muito menos, o de sua empresa estatal. Nossas autoridades se deixam fotografar orgulhosas, com as mãos negras sujas de óleo, para comemorar a exploração do pré-sal que, por suas dificuldades técnicas, exploração de alto custo e barril a US$ 30, é capaz de nem ir adiante. E talvez seja melhor assim.

Não é à toa que a ação da Petrobras vale hoje cerca de R$ 4, o que mal dá para comprar um litro de gasolina no posto da esquina. Um país moderno, como o Brasil devia ser, tinha que estar produzindo o futuro, investindo em pesquisas, colaborando com nossas universidades para desenvolvimento e uso de energia elétrica, solar e eólica. Participando, enfim, de um novo momento da humanidade, a era pós-industrial.

Lendo livro sobre Steve Jobs, me encantei com uma afirmação sua a parceiro na Apple. Jobs dizia que eles tinham que construir um computador pessoal que tivesse uma friendly relation com seu usuário. O pós-industrial, em todas as suas frentes, terá sempre que ser isso: uma relação amigável com e entre seres humanos, em vez da submissão à violência confirmada nas bolsas e no mundo financeiro em geral.

A produção pós-industrial não se restringe apenas ao digital, à cibernética, a uma nuvem ligeira e luminosa sobre nossas cabeças. Ela é alguma coisa a mais, a serviço do bem-estar de todos, sem depender da destruição de recursos naturais e da multiplicação de fontes de energia não renováveis.

Quando eu era estudante, tomei muita porrada da polícia para defender, nas ruas, a ideia de que o petróleo é nosso. Esse tempo passou em todo o mundo, para toda a humanidade em busca de novas e necessárias eras. Que se dane a Petrobras.

Cacá Diegues 

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