A imposição do bolsonarismo investe numa blitz cujo ímpeto destruidor de princípios resulta em que se considere equivalentes dados objetivos, colhidos com ciência, e a negação autoritária destes, sem qualquer base técnica que os refute.
Tanto a fala cretina sobre a morte de Fernando Santa Cruz quanto aquela, mistificadora, relativa ao desmatamento têm lastro numa modalidade de discurso impostor que consiste em desqualificar permanentemente a história, as estatísticas, os mapeamentos empíricos, as comprovações científicas etc. Há uma intenção narrativa: desqualificar o conhecimento e a fiscalização, jornalismo incluído, de modo a que sobre tudo paire suspeição. Trata-se de um movimento consciente na direção de deslegitimar, isto para que tudo quanto seja incômodo possa ser também rebaixado — desacreditado — como produto de uma armação ideológica contra um governo em busca da verdade. Registre-se que tal modus operandi também serve para diluir atenções ante a “velha política” praticada pela nova corte e sua fome patrimonialista.
O presidente é um desinformante, um dos caráteres constitutivos da mentalidade bolsonarista por meio do qual se cultiva a forja de conflitos, de crises artificiais, que anima o fenômeno político reacionário, essencialmente ressentido, que alavancou e sustenta a liderança carismática de Bolsonaro. Ele só surpreende o ingênuo que supunha que seu avanço, uma vez eleito, pudesse ter outro norte senão o da radicalização, do acirramento de cismas institucionais, de rachas nos princípios republicanos, de polarizações, de multiplicações de novos “nós contra eles”, cujo evidente objetivo é escalpelar — devastar — o terreno onde o centro político poderia se rearranjar. Desnecessário dizer que onde não há centro não haverá estabilidade.
O presidente trabalha para desequilibrar; estica a corda do ultraje ao máximo para testar fidelidades e firmar a bolha eleitoral que o manterá competitivo.
Suas manifestações estúpidas recentes não são exceções, mas previsíveis desenvolvimentos de um texto iliberal que promove um projeto autoritário de poder ancorado numa modalidade de campanha permanente para a qual é imprescindível a eleição constante de ameaças e inimigos conspiradores — em face dos quais o único caminho é recrudescer. O Brasil está — pelo menos desde 2013 — em depressão política aguda; doença de que Bolsonaro é a mais alta febre.
Há quem possa conviver com isso — com a mentira, com o esgarçamento do tecido social, com a depredação do ambiente de convívio político, com a intimidação do dissenso — porque, afinal, as reformas evoluem. A esses lembro — pois já havia advertido — que a última escalada autocrática de Bolsonaro é decorrente da sensação de liberdade que a aprovação da nova Previdência lhe dá. Temos um presidente que despreza o Parlamento — e do qual agora se crê menos dependente. Ele vai pra cima.
Boa política econômica — está provado —qualquer tirania pode encaixar. Incontornável é proteger os marcos democráticos; de resto, a única garantia de durabilidade para qualquer programa liberal. Que os cínicos não se percam disto. E tampouco do quão improvável é que reformas estruturais profundas possam se plantar num terreno de imprevisibilidade semeada pelo próprio presidente.
A história é cheia de exemplos de para qual destino pende o liberal que imagina poder instrumentalizar um autoritário populista: é clarear um tantinho o horizonte de curto prazo, afrouxar um pouco o nó fiscal, por meio do que o governo retome alguma capacidade de investir, para logo se tornar dispensável.
Nenhum comentário:
Postar um comentário