O New York Times deu o pontapé, no domingo, 28 de julho, com a matéria de capa intitulada "Destruição da Floresta Amazônica acelera", que mostrou que as multas ambientais aplicadas pelo Ibama caíram cerca de 20% nos últimos seis meses. Um dia depois, o espanhol El País repercutiu o texto "O Brasil de Bolsonaro, o vilão ambiental planetário", que destacou algumas das frases destemperadas do presidente brasileiro, como a de que a questão ambiental só importa "aos veganos que comem só vegetais". Dia primeiro de agosto, quinta-feira, foi a vez do britânico The Guardian : "Desmatamento da Amazônia: governo Bolsonaro acusado de lançar dúvidas sobre dados", sobre o caso do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cujo diretor, Ricardo Galvão, foi exonerado no dia seguinte. O grand finale (até agora) foi a reportagem de capa da última edição da revista The Economist : "Velório para a Amazônia — a ameaça do desmatamento descontrolado”.
A repercussão mundialmente negativa acendeu o "alerta verde" da Europa sobre a dramática situação ambiental no Brasil. Um dos principais motivos foi a morte do cacique Emyra Waiãpi , no Amapá, após uma invasão de supostos garimpeiros. Com a voz firme, e em tom de desabafo, a relatora das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, responsabilizou o presidente brasileiro pela tragédia: “Quando Bolsonaro estimula a exploração econômica das terras indígenas em seu discurso, na prática outorga um passe livre aos interesses econômicos e políticos que querem explorá-las ”, disse, por telefone, das Filipinas, seu país de nascimento. “Bolsonaro é diretamente responsável, porque é responsabilidade do governo proteger a vida dos seus cidadãos. E o Brasil assinou todas as convenções internacionais de direitos humanos que protegem a vida dos seus cidadãos”, acrescentou a relatora da ONU.
Tauli-Corpuz elogiou o sitema de medição de desmatamento da Amazônia do Inpe, feito a partir "do mais alto rigor tecnológico e científico" e falou que "não é muito fácil de esconder a realidade, com os dispositivos tecnológicos atuais". Defendeu ainda uma investigação indepedente sobre a morte do líder índígena Waiãpi e que os autores do crime respondam na Justiça. Da comunidade internacional, principalmente de países europeus importadores de carne e derivados de soja do Brasil, pediu um aumento da pressão, "sobretudo em um momento em que a União Europeia [UE] tem de ratificar o acordo de livre-comércio com o Mercosul ".
Questionadas pela coluna, fontes da UE ressaltaram que “a proteção dos direitos dos povos indígenas está incluída nos princípios gerais” do acordo de livre-comércio com o Mercosul, assim como a “promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em virtude da Declaração Universal dos Direitos Humanos”. "Lamentamos a morte do líder indígena Emyra Waiãpi. A UE está fortemente empenhada nos direitos humanos", escreveu um porta-voz, em uma tentativa de descolar a imagem do bloco da fatalidade.
Para o austríaco Thomas Waitz, do partido Os Verdes, o tratado de livre-comércio entre a UE e Mercosul terá muita resistência no parlamento europeu, já que a mudança climática e a defesa da biodiversidade “são temas que estão no centro do debate político". “O assunto da mudança climática afetou todos os partidos, não só 'Os Verdes’, mas também a maioria dos conservadores. Todos estão conscientes de que é preciso fazer algo”, disse, também por telefone, o eurodeputado na última legislatura. “Duvido muito que o tratado obtenha maioria no parlamento europeu do jeito que está."
O deputado do parlamento espanhol Juan López de Uralde, líder do partido ecologista Equo e ex-chefe do Greenpeace na Espanha por dez anos, também defende que a UE "não pode ficar de braços cruzados com o que está acontecendo" na Floresta Amazônica. "A Amazônia é um pulmão global de grande importância para a estabilidade climática. A Europa não pode olhar para o outro lado", disse. "As declarações e políticas de Bolsonaro são um convite para a destruição da Amazônia", acrescentou. Uralde também rechaçou a intenção do governo brasileiro de regularizar a exploração mineral de terras indígenas, incluindo os próprios índios, já que a atividade causa "grande dano ao meio ambiente", "contamina águas" e "desloca populações". "Os impactos são dramáticos", resume.
Para a diretora de pesquisa da ONG Survival, Fiona Watson, o governo de Bolsonaro representa a “maior ameaça aos povos nativos latino-americanos desde a ditadura militar”. “Tanto com o governo de Bolsonaro, como no período militar, houve uma tentativa de integrar os índios à sociedade, mas uma integração que não é benéfica aos índios, como demonstram muitos estudos no mundo, mas para o sistema econômico. A ideia é liberar suas terras para a exploração por setores como o agropecuário e a mineração”, explicou a diretora da ONG.
Segundo Watson, é competência das instituições que defendem os indígenas conscientizar os consumidores europeus dos crimes que acontecem na Floresta Amazônica. “Acho que se muitos países consumidores de carne e derivados da soja do Brasil souberem que seus produtos, às vezes, são feitos com o custo de vidas, ou do desmatamento da Amazônia, vão deixar de comprar”, argumentou, em convite a um boicote — talvez a única linguagem que Bolsonaro entenda.
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