Parece algo conhecido? Trata-se do Brasil, claro, só que em 1992. Aquela história chegou ao Congresso por meio de investigações jornalísticas. O presidente Collor, da direita do Estado de Alagoas, alegou que a coerção da mídia e dos partidos de oposição –o paulista PT, entre eles– era um golpe de Estado. Foi um recurso discursivo para minimizar o protesto das ruas que pedia sua destituição. Foi em vão.
Qualquer semelhança com o presente não é coincidência. Aquele intelectual que dizia que a história sempre ocorre duas vezes estava errado: ambas as ocasiões podem ser trágicas. Alguém neste século plagiou o script de 1992 e o pôs diante do espelho. Nele, o que está à esquerda se vê à direita, e vice-versa; o resto é idêntico. Exceto as cifras da corrupção, claro, que vão dos 2,5 milhões de dólares (8,9 milhões de reais) do jardim de Collor, sua própria Babilônia em Brasília, aos 2 bilhões (7,1 bilhões de reais) da Petrobras sob o PT.
Alguns foram depostos por impeachment, como Collor e Carlos Andrés Pérez na Venezuela. Outros por uma crise na coalizão de governo, como Lugo no Paraguai. Também há os que renunciaram ante revoltas da população contra a corrupção, como Pérez Molina na Guatemala, ou por uma profunda crise econômica, como De la Rúa, na Argentina. Para alguns especialistas essas crises seriam evitadas com um sistema parlamentar. Outros veem nesses presidencialismos menos rígidos uma capacidade autocorretiva própria da democracia.
“Se trata-se de um golpe, o golpe foi o próprio Lula quem deu, empurrando a presidenta ao precipício ao se fazer blindar com um cargo de ministro"
Em todos esses casos se vê o DNA da política latino-americana, essa incapacidade congênita de respeitar as regras do jogo. É uma região de presidentes que se vão antes do estipulado, impotentes para resolver as crises políticas que eles mesmos causam, ou então que ficam mais tempo do que o devido, bem capazes de transformar a Constituição em um traje feito sob sua medida. Cenários diferentes, são ambos igualmente propícios para a arbitrariedade, o abuso do poder e, quase inevitavelmente, a corrupção generalizada, sobretudo quando há abundantes recursos como durante o boom de preços, agora esgotado.
Por essa fossa escorre a institucionalidade democrática. Assim é a crise brasileira, apesar de toda a cacofonia sobre um suposto golpe institucional, constitucional e outros eufemismos oximorônicos. Miopia analítica ou ingenuidade, senão uma deliberada intencionalidade política, o argumento do golpe é funcional para um governismo posto contra as cordas por uma economia em crise, um furacão de denúncias e uma sociedade enfastiada.
Ocorre que, se trata-se de golpe, o golpe foi o próprio Lula quem deu, empurrando Dilma ao precipício ao se fazer blindar com um cargo de ministro. Falar de golpe é colocar um véu fictício na mais importante responsabilidade nesta crise: a do partido do Governo ante fraudes de bilhões de dólares contra o Estado. Se esta crise é um golpe, Marcelo Odebrecht seria um preso político. E para que o PT fale de golpe, antes deveria reconhecer sua participação naquele “golpe” –enfatizo as aspas– contra Collor, hoje, curiosamente, um aliado.
Só se trata de uma decomposição que se prolonga por tempo indefinido, o que é suficientemente grave. Não em vão o mais lúcido estadista de toda a América Latina, Fernando Henrique Cardoso, cobrou de Dilma um gesto de grandeza –a renúncia– ante sua evidente incapacidade de continuar governando. E por certo não se tratou da recomendação de um golpista de direita.
É a sétima economia do planeta, primeira da região. É a nação indispensável para o investimento e o comércio hemisférico, para mediar a crise venezuelana e para fortalecer o sistema interamericano. Com um Brasil instável, além disso, a mudança de ciclo de preços internacionais causará estragos em todas as economias da região. Resolver a crise do Brasil é uma prioridade para toda a América Latina.
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