Depois de ser flagrado sem fantasia em escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, Lula, por aconselhamento da numerosa banca de advogados que o assessora ou por tino político – ou os dois --, decidiu que é hora de falar de flores.
Uma carta sentimental na quinta-feira e um discurso contra o ódio na manifestação pró-Dilma na sexta-feira, em São Paulo, não deixam dúvidas quanto às intenções do ex.
Já que não era possível negar as gravações em que dispara toda sorte de xingamentos aos presidentes da Câmara e do Senado, ao Procurador-Geral da República e ao recém-empossado ministro da Justiça, e à Suprema Corte, Lula tentou, com a carta, baixar a bola junto aos ministros do STF, que darão a palavra final sobre seu futuro, seja ele ministro de Estado ou não.
Na missiva, peça em que assinatura não está necessariamente vinculada à autoria, Lula se assemelha a uma lady inglesa. No conteúdo e na linguagem, em nada parecidos com o remetente, que abusa do calão censurado para menores, na maioria das vezes sujeitos a transcrições que param na primeira letra da palavra.
No palanque, a história é outra. Lula prega a paz cuspindo ódio.
Em quase meia hora de discurso para uma plateia absolutamente hipnotizada, Lula – ora ex-presidente, ora ministro, ora presidente – esforçou-se para cunhar a imagem de pacificador. Usou e abusou de frases de efeito e da palavra democracia. A ela conferiu variegados significados, menos o real, já que deu maior valor às pessoas que ali estavam do que às protestaram contra ele, Dilma e o PT.
Em alguns momentos, Lula até conseguiu seguir o script que traçara para ele, ao explicar, por exemplo, que iria integrar o governo para ajudar, não para brigar. Mas pouco durava. O “nós x eles” arraigado no discurso do ex prevaleceu mesmo quando ele, nitidamente, não queria.
Até a ideia marota de união das cores, em que o vermelho estaria “no sangue” e o verde-amarelo no “coração” de todos, mostrou o verdadeiro alvo logo em seguida: “eles têm que saber que estas pessoas que estão aqui, de vermelho, são parte das pessoas que produzem o pão de cada dia do povo brasileiro. Elas não estão aqui porque tiveram metrô de graça, não estão aqui porque foram convocadas pelos meios de comunicação a semana toda. Elas estão aqui porque sabem o valor da democracia, porque sabem o valor de fazer o pobre subir uma escala no degrau da economia. Se eles comem três vezes por dia, nós queremos comer três vezes por dia."
Por vezes, Lula lembrou o sapo barbudo imortalizado por Leonel Brizola, esbravejando, com a voz rouca. O velho e batido “nós x eles” permeou toda a oratória. Até na mensagem pseudo-conciliadora final, quando Lula pediu que a multidão vermelha não aceitasse provocações, como se um eventual conflito só viesse do “eles”, jamais do “nós”.
Entre o discurso e os cumprimentos aos companheiros de palanque, Lula ficou menos de uma hora na Avenida Paulista. Nesse pouco tempo, foi ministro e deixou de ser por duas vezes devido a liminares concedidas e cassadas. Anunciou que estaria no Planalto, trabalhando como ministro na próxima terça-feira, mas saiu de lá sem Ministério, de acordo com a decisão – também liminar – do ministro do Supremo Gilmar Mendes.
Ministro ou não, Lula está enroscado em nada menos do que seis inquéritos no âmbito do Ministério Público Federal e um no Distrito Federal, fora o do MP de São Paulo, despachado para Curitiba pela juíza paulista.
Por mais que tente remodelar, não há pele de cordeiro capaz de encobri-lo.
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