Antes de prosseguir, é de perguntar o porquê da indefinição dos palestrantes. Machado vem logo com a explicação: “Rigorosamente eram quatro os que falavam; mas, além deles, havia na sala um quinto personagem, calado, pensando, cochilando, cuja espórtula no debate não passava de um ou outro resmungo de aprovação”. Seria como se o autor, com o destaque, chamasse a atenção do leitor para esse homem escondido nas sombras, a quem caberia contar o caso mais intrigante daquela noite, sob “estrelas que pestanejavam” do lado de fora da casa.
O narrador não se perturbou. Buscou o exemplo concreto para ilustrar a sua tese num moço de 25 anos, pobre, que acabava de ser nomeado alferes da Guarda Nacional. Festa animada entre os parentes, que comemoraram à larga o feliz e honroso acontecimento. Assumindo a personalidade da quinta pessoa, arranja um pedido da sua tia Marcolina, que desejou vê-lo e pediu-lhe “que fosse ter com ela num sítio solitário, onde morava”. A sua chegada, começou uma longa festança, que durou tanto quanto o tempo que a tia gastou para ficar com uma parente que estava à morte.
Enquanto isso, foi tratado pelos que ficaram com verdadeira pompa. Tudo girava em torno do alferes, tratado regiamente pelos que ficaram, até o retorno da tia, que não dava sinais de voltar tão cedo. Mandaram até pôr no seu quarto um grande espelho, “obra rica e magnífica, comprado a fidalgas vindas em 1808 com a corte de d. João VI”. Foi a sua perdição.
O alferes eliminou o homem. Quando foi olhar-se no espelho, “este não estampou-lhe a figura inteira e nítida, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra”. E assim ficou.
Se se olhava no espelho, eram fantasmas que via. Afinal, veio-lhe a ideia de vestir a farda e olhar-se nele com firmeza. Viu a si próprio exatamente como era. “Daí em diante, fui outro. Quando os outros voltaram, o narrador tinha descido as escadas e ele a si mesmo”, com a primeira alma.
Agora, a indagação inevitável: o que é que Lula tem a ver com isso? Também o Nosso Guia é portador de duas almas e não consegue livrar-se da segunda, que está no espelho que existe no Alvorada. Quer porque quer voltar a morar lá. Para tanto, está disposto até a quebrar o espelho. Já tentou mil vezes, mas não adiantou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário