As palavras solidariedade e cordialidade muitas vezes definiram o Brasil. O tempo verbal dessa frase está no passado, de uma forma muito apropriada: no dia 10 de novembro de 2017 (não faz tanto tempo, portanto), o site Terra publicou matéria dizendo que uma pesquisa da Universidade da Pensilvânia, com 21 mil pessoas, indicou o ranking dos 30 melhores países para se morar. Ficamos no 28º lugar. Entre os excelentes.
A pergunta era: se você quisesse morar e trabalhar no exterior, qual desses países escolheria? A lista completa, pela ordem das respostas, foi: Suíça, Canadá, Inglaterra, Alemanha, Japão, Suécia, EUA, Austrália, França, Noruega, Holanda, Dinamarca, Finlândia, Nova Zelândia, Singapura, Itália, Luxemburgo, Áustria, Espanha, China, Irlanda, Emirados Árabes Unidos, Coreia do Sul, Portugal, Índia, Tailândia, Rússia, Brasil, Grécia e Israel.
Mas, esse mundo dá muitas voltas. Outra pesquisa, divulgada na semana passada, sobre os piores lugares do mundo para o estrangeiro viver e trabalhar, mostrou que o patropi, abençoado por Deus e bonito por natureza, agora está na 61ª posição entre os 64 países avaliados. Somos um desastre nas questões de segurança e de bem-estar, diz o levantamento anual Expat Insider 2019.
Essa pesquisa é da rede InterNations, uma comunidade online formada por pessoas que vivem fora do seu país de origem. Colheu respostas de 20 mil pessoas, de 128 nacionalidades. O Brasil só perde para Nigéria, Itália e Kuwait. Nem tudo é terra arrasada: as pessoas entrevistadas disseram que uma coisa favorável no país continua sendo a amabilidade dos brasileiros. Ufa!
Claro, existem as diferenças de metodologia de uma pesquisa para a outra. E isso precisa ser levado em conta na hora de se fazer a comparação. Mas o resultado dessa última é sintomático porque é uma acusação de um país em crise. Sempre que há uma situação difícil internamente, os países começam a tratar mal as pessoas que vivem em situação de refúgio.
Os problemas políticos e econômicos estão desmontando a democracia no Brasil e nos levando a um terreno pantanoso, de relações incertas. Ninguém tem dúvida de que, nesse processo de incertezas, o sentimento de vulnerabilidade é comum a todo brasileiro. Nesse cenário, é muito mais vulnerável para quem vive aqui e não é brasileiro.
Uma coisa está ligada à outra: com a democracia ameaçada a tolerância e o respeito às diferenças não são observados. As ameaças constantes mexem com a nossa autoestima e já não somos mais aquela terra boa e gostosa, da morena sestrosa, da música. Se nós, brasileiros, sentimos que as nossas conquistas estão fragilizadas, imagine o que significa para um estrangeiro viver aqui. O Brasil, que já se orgulhou de ser um país de acolhimento, é fator de risco, lugar de exclusão e de desrespeito aos imigrantes.
Se o Estado não protege nem os brasileiros, se não há quem defenda os nossos interesses, muito menos o dos estrangeiros que vêm de países pobres, na esperança de arranjar emprego e sobreviver. Os que conseguem emprego não conhecem um artigo sequer das nossas leis trabalhistas.
A pesquisa Expat Insider 2019 não indica isto que vem a seguir, mas também não é preciso que o levantamento desenhe: com certeza reproduzimos com os estrangeiros os preconceitos e o racismo que infelizmente nos acompanham. Aqui, o branco europeu ou americano rico historicamente sempre foi bem recebido. O contrário do tratamento dispensado, por muitos, aos que vêm de países mais pobres que nós e de população negra.
Cícero Belmar
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