Uma breve conferência no site do projeto Excelências, criado e mantido há quase dez anos pela Transparência Brasil, mostra que entre os maiores partidos na Câmara dos Deputados e no Senado (PMDB, PT e PSDB, nesta ordem) pelo menos 60% dos representantes sofrem ocorrências na Justiça e nos Tribunais de Contas. Desses, a maioria corresponde a processos por improbidade administrativa, peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e irregularidades em licitações.
Ou seja, ao contrário do que se diz por aí, corrupção não é prática exclusiva do PT.
Cassio Cunha Lima, líder do PSDB no Senado, recentemente afirmou que a democracia brasileira sofre uma “infecção generalizada provocada pela superbactéria da corrupção”. O mesmo senador que reclama da corrupção teve o mandato de governador da Paraíba cassado em 2009 por abusos de poder econômico e político, compra de votos e conduta vedada a agente público.Eduardo Cunha (PMDB), sobre quem pesam acusações gravíssimas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com provas materiais fartas coletadas pela Procuradoria Geral da República, segue comandando (e manobrando) a Câmara dos Deputados, com pouca pressão das ruas.
Isso sem mencionar a pouca energia com que algumas malfeitorias são investigadas e punidas. Por exemplo: a Polícia Federal investiga desde 2008 um esquema de fraude em licitações na CPTM e no Metrô de São Paulo que teria desviado cerca de R$ 1 bilhão dos cofres públicos desde 1998, nos governos dos tucanos Mario Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. A PF indiciou 33 pessoas em novembro de 2014, mas até agora o procurador não decidiu sobre apresentar denúncia ou não. Ele alega “aguardar o envio de documentos bancários por autoridades estrangeiras”. Enquanto isso, crimes já começaram a prescrever.
Outro exemplo é o Mensalão Mineiro, um esquema de desvio de verbas estatais para o financiamento da campanha do tucano Eduardo Azeredo ao governo mineiro em 1998. O inquérito foi aberto no STF em 2005. Após 18 anos dos crimes, há um acusado já falecido, dois beneficiados por prescrição, oito que aguardam um primeiro julgamento (entre eles, o ex-senador do PDMB Clesio Andrade) e cinco condenados em primeira instância (entre eles, o próprio Azeredo e Marcos Valério). Alguns chegaram a ser presos, mas por envolvimento em crimes parecidos cometidos no Mensalão Petista.
A politização da corrupção é, em geral, um movimento contra quem está no Executivo, de modo que faz sentido que a opinião pública se indigne muito mais com o PT, que comanda o Executivo Nacional, do que com PMDB e PSDB – sem contar legendas com taxa de processados ainda maiores, como o PP de Paulo Maluf, o Solidariedade de Paulinho da Força e o PSC de Jair Bolsonaro. Mas ela produz poucos resultados concretos.
É comum que jornalistas nos perguntem se “a Operação Lava-Jato vai acabar com a corrupção no Brasil”. O que seguimos afirmando é que a punição de atos de corrupção é uma condição necessária, porém insuficiente, para que haja mudanças permanentes. O fato de um empreiteiro como Marcelo Odebrecht ser condenado coloca algum limite nos atos de alguns empresários, mas estes acabarão encontrando outros meios para continuar a realizar negócios de modo parecido ao que faziam antes, se assim for rentável e houver vulnerabilidades administrativas e institucionais. Precificam o risco e tocam o barco. A chave da questão está no outro lado da equação: os controles das práticas administrativas.
No caso específico do chamado Petrolão, que é um escândalo gigantesco orquestrado por PT, PMDB e aliados, a chave está no loteamento político da Petrobras – a saber: a ocupação de diretorias e coordenações da estatal por indicados de partidos políticos. Faz-se isso sem nenhum constrangimento, com o agravante de que a imprensa reporta esse tipo de coisa como se fosse algo natural.
A prática não ocorre somente na Petrobras, obviamente, mas em todos os órgãos nas três esferas de poder. Um em cada cinco ocupantes do alto escalão da administração pública federal, por exemplo, é servidor sem vínculo; no mais alto grau (DAS-6), 1/3 dos ocupantes é filiado a partidos políticos. Mais do que isso: não há processos claros, transparentes e accountable para o exercício de funções de gerência e assessoramento nas administrações públicas. Ou seja, um cargo de alta direção – em estatal, principalmente – ainda pode servir de barganha em acordos entre os partidos.
Assim, não tem como haver mudança real quando se mudam apenas os comandantes e deixam estar as mesmas estruturas que permitem que os atos de corrupção ocorram. Por isso, não deve haver engano: combater corrupção é ir além de partidos e de punições; é focar as causas e pressionar por mudanças nos desenhos institucionais – investigando e punindo também, obviamente.
De outro modo, perderemos uma oportunidade de ouro para avançar de verdade nesta agenda – e ainda corremos o risco de vê-la instrumentalizada por grupos políticos que, uma vez no poder, podem rapidamente enterrar a Lava-Jato para salvar suas próprias peles.
Natália Paiva, diretora-executiva da organização Transparência Brasil,
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