segunda-feira, 21 de março de 2016

'Normalidade democrática não está consolidada no Brasil'


Para o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, a atual crise política mostra que a normalidade do jogo democrático, que se pensava estar consolidada de maneira sustentável no Brasil, de fato não está.

Em entrevista à DW Brasil, ele afirma que a repercussão da atual instabilidade no momento é terrível para a imagem brasileira, mas pode ser positiva no futuro – desde que a Justiça consiga mostrar que não atua de modo seletivo.

"Se conseguir fazer isso, vamos ter uma reformulação e uma refundação política do Brasil. Como aconteceu na Itália, hoje a corrupção naquele país não tem o mesmo caráter endêmico como antes das Mãos Limpas", opina Sousa Santos, doutor em sociologia pela Universidade de Yale (EUA) e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal).

Brasil: Como o senhor avalia o atual momento político no Brasil?

Boaventura de Sousa Santos: É uma crise muito grave, fundamentalmente porque a normalidade do jogo democrático, que se pensava estar consolidada de maneira sustentável no Brasil, de fato não está. As elites políticas conservadoras que dominaram durante praticamente todo o período histórico de Independência do Brasil não se conformaram com o fato de terem perdido as últimas eleições por uma pequena margem. É realmente pouco usual que, poucos meses após um presidente assumir, seja pedido o seu impeachment. Além disso, uma fração minoritária, mas importante do Poder Judiciário está ultrapassando e manipulando politicamente os seus poderes e cometendo ilegalidades que, aliás, estão sendo reconhecidas até mesmo pelos adversários políticos do ex-presidente Lula e do PT.

E as denúncias da Lava Jato envolvendo os nomes de Lula e Dilma?

É evidente que o PT e seus dirigentes cometeram muitos erros ao longo desses 12 anos. O PT cedeu, sobretudo a partir do segundo mandato de Lula, e governou à moda antiga, com outros objetivos, aquilo que sempre fizeram as elites oligárquicas conservadoras, o que é uma grande intimidade e promiscuidade entre o poder político e econômico. Se um governo de esquerda não protege essa elite conservadora e pode ter cometido alguns erros, isso tem um significado político muito forte: primeiro, porque a corrupção cometida pela direita e pela esquerda não é tratada de forma igual pelo Judiciário, e isso é assim no Brasil e na Europa. Essa dualidade de critérios é uma constante do sistema judiciário. O juiz Sergio Moro invoca a operação Mãos Limpas na Itália, mas invoca mal, porque na Itália a operação atuou contra toda a classe política: a esquerda e a direita.

Qual seria uma possível solução para a atual crise?

Tem que ser uma solução democrática. E não podemos ter uma situação de distensão como aquela que já está gerando uma divisão profunda do sistema judiciário e político. Muitos pensam que, neste momento, talvez fosse preferível que Dilma renunciasse, e o PT voltasse à oposição e se reconstruísse. A outra posição é aquela que está acertada, de Lula entrar para o ministério. Ele é um grande negociador, um grande político. Ele continua mostrando que, apesar disso tudo, ele está ainda na linha de frente para uma eleição em 2018. O Brasil é um país que está extremamente dividido. É um país menos injusto, que está mais equilibrado econômica e socialmente, mas mais desequilibrado politicamente, precisamente porque as classes dominantes que governaram o Brasil não admitem estar fora do poder por tanto tempo. E isso está
condicionando o futuro político do Brasil.

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