A Lava Jato brasileira poderia ser considerada como o filho mais novo daquele terremoto político que varreu a Primeira República da Itália depois de ter feito desaparecer nas urnas os quatro maiores partidos de então, entre eles a poderosa Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista Italiano (PSI).
Alguns números são suficientes para mostrar que a Lava Jato é, por enquanto, apenas uma pequena onda daquele tsunami italiano que na época estremeceu a Europa e mais além dela.
Como correspondente deste jornal na Itália naquele momento, coube a mim informar sobre a experiência que permitiu aos jornalistas assistirem atônitos a condenação de quatro ex-primeiros-ministros, 438 políticos e parlamentares, 872 empresários e 2.993 mandados de prisão entre 6.059 investigados. Também pudemos assistir à fuga do líder socialista Bettino Craxi, considerado o centro da operação, que preferiu se auto-exilar depois de ter sido condenado a 17 anos de prisão.
Onze dos condenados acabaram cometendo suicídio, entre eles dois personagens de destaque: Gabriele Calhari, presidente da estatal ENI (Ente Nacional de Hidrocarbonetos) que tirou a própria vida enquanto estava sob prisão preventiva, e o bilionário Raul Gardini, presidente da poderosa Montedison, a maior indústria petroquímica do país, que se um tiro na cabeça.
Tudo começou com um empresário que abriu a panela de pressão da corrupção política empresarial, denunciando o líder dos socialistas em Milão, Mario Chiesa, que aspirava à prefeitura da capital da Lombardia e que extorquia um empresário exigindo-lhe propina para obter licenças públicas.
Puxando o fio, o grupo de juízes de Milão chegou ao coração de uma corrupção que tinha ramificações nacionais. Era uma espécie de máfia perpetrada entre empresários e políticos para obter licenças de obras e serviços públicos em troca de financiamento ilegal dos partidos políticos. Descobriu-se que havia até planilhas com os valores que os empresários se comprometiam a pagar a cada partido, especialmente aos dois maiores, a Democracia Cristã (DC) e o Partido Socialista (PSI) de Bettino Craxi, que em 1983 foi o primeiro socialista a se tornar primeiro-ministro da Itália.
Entre os políticos condenados, Craxi foi considerado então como il capo [o chefe, em italiano] da trama de corrupção em nível nacional, que tinha o objetivo de perpetuar os socialistas no poder.
A trama, no entanto, capturou em suas redes os demais partidos que nas eleições políticas posteriores acabaram sendo varridos do mapa pelos eleitores, fazendo crescer os partidos menores.
Craxi foi condenado a 17 anos de prisão, mas preferiu fugir do país, exilando-se em sua mansão em Hammamet, na Tunísia, onde morreu no ano 2000, considerado como fugitivo político.
Antes disso, o líder socialista havia confessado no Congresso ter financiado seu partido com dinheiro da corrupção. Atacou duramente a operação Mãos Limpas e o juiz Di Pietro, sobre o qual afirmou: “Nem tudo que reluz é ouro. Logo descobriremos que o juiz não é esse herói de que se fala. Há muitos aspectos pouco claros na Mãos Limpas”. Tentou-se processar Di Pietro, mas este acabou absolvido.
Enquanto Craxi arremetia contra os juízes da Mãos Limpas, seu colega de partido, Sergio Moroni, cometeu suicídio e deixou uma carta na qual confessou seus crimes de corrupção e os de seu próprio partido.
Craxi foi sucedido no Governo por seu amigo, o milionário empreiteiro Silvio Berlusconi, um outsider da política, que mesmo com uma dúzia de acusações conseguiu vencer as eleições em 1994 com a força de seus três canais de televisão que o amigo Craxi havia legalizado.
Berlusconi foi em seguida um duro perseguidor da Mãos Limpas e acusou Di Pietro e sua equipe de juízes de “abusar da prisão preventiva para arrancar confissões”.
Com ele no Governo, foram feitas várias manobras chamadas de “salvaladrões” visando anular sentenças dos condenados pela Mãos Limpas. Tentou-se legislar que crimes como a corrupção política e, especificamente, o financiamento ilegal dos partidos, não pudessem ser condenados com prisão. Foi o Presidente da República, Oscar Luigi Scalfari, um político reto, que abortou a manobra.
É difícil, quase um quarto de século depois da Mãos Limpas, fazer um balanço dessa experiência singular, que se repete hoje, embora em miniatura, no Brasil. Sem dúvida, a Itália não foi, desde então, a mesma. Toda a vida política da República ficou em pedaços. Ainda hoje é difícil dizer se o saldo final foi positivo ou não para a democracia.
Foi –sem dúvida– uma experiência traumática que puniu nas urnas os grandes partidos tradicionais e abriu caminho para uma recomposição da vida política.
Foi uma experiência judiciária moralizadora que contou sempre com o aplauso e o apoio da sociedade italiana e que foi apoiada, dia a dia, pelos meios de comunicação que foram uma espécie de braço direito das investigações.
Como hoje no Brasil, também na época, foram peça-chave da Mãos Limpas as confissões dos detidos que se sentiam abandonados e traídos por seus respectivos partidos.
Naquele momento, cada líder político se preocupava em salvar a própria pele, sem pressa excessiva para salvar seus subordinados capturados pelas redes da justiça.
Eles chegaram a dizer que se tratava de delatores “ressentidos e vingativos” que tinham sujado seus respectivos partidos.
No final, chefes e subordinados acabaram compartilhando a dura sorte da condenação e da prisão.
Tudo teve de ser recriado novamente após o deserto em que se havia se tornado a velha política.
A operação Mãos Limpas deu lugar à nova República.
Melhor ou pior do que a primeira?
Depende dos olhos com os quais se examine aquele cataclismo causado pelo transbordamento da corrupção política que havia gangrenado a Primeira República.
Craxi foi condenado a 17 anos de prisão, mas preferiu fugir do país, exilando-se em sua mansão em Hammamet, na Tunísia, onde morreu no ano 2000, considerado como fugitivo político.
Antes disso, o líder socialista havia confessado no Congresso ter financiado seu partido com dinheiro da corrupção. Atacou duramente a operação Mãos Limpas e o juiz Di Pietro, sobre o qual afirmou: “Nem tudo que reluz é ouro. Logo descobriremos que o juiz não é esse herói de que se fala. Há muitos aspectos pouco claros na Mãos Limpas”. Tentou-se processar Di Pietro, mas este acabou absolvido.
Enquanto Craxi arremetia contra os juízes da Mãos Limpas, seu colega de partido, Sergio Moroni, cometeu suicídio e deixou uma carta na qual confessou seus crimes de corrupção e os de seu próprio partido.
Craxi foi sucedido no Governo por seu amigo, o milionário empreiteiro Silvio Berlusconi, um outsider da política, que mesmo com uma dúzia de acusações conseguiu vencer as eleições em 1994 com a força de seus três canais de televisão que o amigo Craxi havia legalizado.
Berlusconi foi em seguida um duro perseguidor da Mãos Limpas e acusou Di Pietro e sua equipe de juízes de “abusar da prisão preventiva para arrancar confissões”.
Com ele no Governo, foram feitas várias manobras chamadas de “salvaladrões” visando anular sentenças dos condenados pela Mãos Limpas. Tentou-se legislar que crimes como a corrupção política e, especificamente, o financiamento ilegal dos partidos, não pudessem ser condenados com prisão. Foi o Presidente da República, Oscar Luigi Scalfari, um político reto, que abortou a manobra.
É difícil, quase um quarto de século depois da Mãos Limpas, fazer um balanço dessa experiência singular, que se repete hoje, embora em miniatura, no Brasil. Sem dúvida, a Itália não foi, desde então, a mesma. Toda a vida política da República ficou em pedaços. Ainda hoje é difícil dizer se o saldo final foi positivo ou não para a democracia.
Foi –sem dúvida– uma experiência traumática que puniu nas urnas os grandes partidos tradicionais e abriu caminho para uma recomposição da vida política.
Foi uma experiência judiciária moralizadora que contou sempre com o aplauso e o apoio da sociedade italiana e que foi apoiada, dia a dia, pelos meios de comunicação que foram uma espécie de braço direito das investigações.
Como hoje no Brasil, também na época, foram peça-chave da Mãos Limpas as confissões dos detidos que se sentiam abandonados e traídos por seus respectivos partidos.
Naquele momento, cada líder político se preocupava em salvar a própria pele, sem pressa excessiva para salvar seus subordinados capturados pelas redes da justiça.
Eles chegaram a dizer que se tratava de delatores “ressentidos e vingativos” que tinham sujado seus respectivos partidos.
No final, chefes e subordinados acabaram compartilhando a dura sorte da condenação e da prisão.
Tudo teve de ser recriado novamente após o deserto em que se havia se tornado a velha política.
A operação Mãos Limpas deu lugar à nova República.
Melhor ou pior do que a primeira?
Depende dos olhos com os quais se examine aquele cataclismo causado pelo transbordamento da corrupção política que havia gangrenado a Primeira República.
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