Nem seria necessário – como não o foi para Al Capone, preso pelo imposto de renda, ou Fernando Collor, deposto por um reles Fiat Elba - ir ao conjunto da obra, que é vasto e cabeludo.
Nos exemplos citados – de Capone e Collor -, puniu-se o menos, já que o mais estava oculto. E a partir do menos chegou-se ao mais. O mais, no caso de Lula, são os indícios de que comandava uma quadrilha de empreiteiros e agentes públicos que, de sua posse em diante, lesaram o patrimônio público.
O sítio e o tríplex seriam o seu Fiat Elba.
Mas fiquemos com a sequência de delitos praticados por Lula da semana passada para cá: denegriu a imagem das instituições – Judiciário, Ministério Público, imprensa -, ofendeu um magistrado (Sérgio Moro), empresas jornalísticas e conclamou aliados a usar da violência. Nada menos.
Pior: no quesito incitação à violência, houve consequências, com uma sucessão de invasões a propriedades públicas e privadas e agressão gratuita a pessoas inocentes, por parte de algumas das entidades que nomeou: MST, MTST, CUT etc.
Incitação à violência é crime – e grave - e o flagrante está devidamente documentado. Lula destacou, por exemplo, sua ira contra a TV Globo, responsabilizando-a pelas mazelas do país.
No início desta semana, uma das afiliadas da emissora, em Goiânia, foi depredada por gente da CUT, com agressões a funcionários, fazendo-os reféns por horas. O mesmo o fez o MST com dois repórteres da TV Bandeirantes. E não foram apenas esses os casos registrados. A violência foi às ruas, como pediu Lula.
Desde então, o mantra de guerra civil passou a constar do discurso da militância, que ameaça tumultuar a manifestação de amanhã. O objetivo é intimidar e esvaziar o protesto, disseminando o pânico. Se o país tivesse uma efetiva lei antiterror – a recém-aprovada exclui de suas penas os “movimentos sociais” -, Lula e seus militantes estariam nela enquadrados.
Esse quesito – incitação à violência - consta do pedido de prisão, que será julgado pela juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga Oliveira, tida como “linha dura” por seus pares. Não é necessária dureza ou moleza, mas apenas fidelidade aos fatos - e à lei.
A reação de espanto e censura ao pedido de prisão, sobretudo por parte dos oposicionistas, evidencia a raiz da cultura da impunidade. O importante não é o delito, mas quem o pratica.
Lula, quando na presidência, opôs-se à responsabilização penal do ex-presidente José Sarney, pois, segundo ele, não se tratava de um “homem comum”, mas de um ex-presidente da República. Aqui, o dito “quanto maior a árvore, maior o tombo” não se aplica. Se a árvore é grande, não pode haver tombo.
Não é um pensamento apenas do PT: é também da oposição, de boa parte da mídia e da sociedade. Daí o estardalhaço que, se já foi grande diante de uma mera condução coercitiva – aplicada de resto a dezenas de outros implicados na Lava Jato -, tornou-se colossal com o pedido de prisão.
Em Portugal, o ex-primeiro ministro José Sócrates foi preso preventivamente, por meses, sem que o país falasse em guerra civil ou perseguição política. O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy foi detido e prestou depoimento sob vara por 14 horas. Nenhum grupo aliado falou em guerra civil ou perseguição política.
Em ambos os casos, os fatos – e a lei – falaram mais alto. E é disso que se trata. Ou a lei é para todos ou feche-se o Judiciário.
Os atos de Lula após a condução coercitiva expressam o desespero de alguém que não contava com a condição de “homem comum”. A tentativa de virar ministro – ideia que atribui a aliados, mas que se sabe que é dele mesmo – é de um ridículo atroz, inaugurando uma nova modalidade de exílio: o ministerial.
O destino às vezes é irônico. O partido que, ao longo de sua trajetória oposicionista, mais falou em pôr adversários na cadeia, o PT, vê-se agora diante dela. Os crimes que atribuía aos que a ele se opunham eram os que ele mesmo praticava, cumprindo à risca o que Lênin determinava à sua militância: “Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é”.
A Lava Jato está promovendo uma revolução no país, sem um único tiro, sem um único discurso. No país da impunidade, cumprir o Código Penal é ato revolucionário, que choca até a oposição. É como se o oposicionista de hoje se visse no papel do governista de amanhã e receasse o estabelecimento de uma jurisprudência que lhe venha no futuro a ser adversa.
O argumento de que o impeachment traumatiza o país e pode piorar a economia – brandido por meses pela oposição – mostrou-se falso e infundado. Quanto mais se visualiza a queda do governo, menos gravosos os índices econômicos, o que mostra onde está o problema.
As manifestações de amanhã – as primeiras com o endosso formal dos partidos de oposição – representam um triunfo da sociedade (o país real) sobre o país oficial.
E aqui cabe citar, para resumir e finalizar, o que disse Machado de Assis desse abismo que define a esquizofrenia nacional: “O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.
Nada mais atual, a explicar Lula, o PT, a oposição e, sejamos sinceros, parte da própria imprensa. Sérgio Moro é a Bastilha às avessas: em vez de esvaziá-la, como no início da Revolução Francesa, trata de abastecê-la – e com gente graúda.
A Lava Jato irá além de Dilma e Lula – e isso explica a cautela oposicionista.
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