Observemos que impostos são recursos de empresas, pessoas e famílias, que são canalizados para o funcionamento do Estado. A sua origem, portanto, é a sociedade, cabendo à instância estatal dar o melhor encaminhamento a este desde a perspectiva do bem coletivo. O Estado não é proprietário de impostos, pois são gerados na própria sociedade. O seu destino consiste — ou deveria consistir — em obras e condições que sirvam à sociedade como um todo, em casos como infraestrutura, saúde, educação e habitação, sobretudo aos mais desfavorecidos.
Impostos, como a própria palavra o expressa, são atos obrigatórios, e não de livre eleição. Impostos são “impostos”. O problema consiste, então, precisamente no limite desta imposição, podendo criar um divórcio entre o Estado de um lado; famílias, empresas e sociedade em geral, do outro. São benéficos quando equilibrados, seguindo os valores do que é melhor para a sociedade; tornam-se maléficos quando perdem o sentido da proporcionalidade e são utilizados para suprir as carências de uma burocracia estatal corrupta ou inepta.
O caso do tabaco é particularmente ilustrativo, por ser uma forma de “particularidade universalizável”. O Estado tornou-se uma espécie de acionista majoritário das empresas do setor via arrecadação tributária. Caberia, inclusive, a questão de se o Estado não é o verdadeiro “proprietário” delas, visto que os seus rendimentos são muito maiores do que os dos acionistas no sentido próprio do termo. Claro que, do ponto de vista legal, o Estado não seria “proprietário” no sentido estrito, mas esta fórmula retórica permite vislumbrar a anomalia do caso.
Ora, esse tipo particular de proprietário não parece estar preocupado com a sobrevivência da empresa, com a geração de lucro, com o desenvolvimento científico dos métodos industriais, com a geração de renda e de empregos e na realização de sua função social. O seu intervencionismo cessa de ser regulador. Os números são estarrecedores. Até o ano de 2014, a carga tributária de cigarros no Brasil era de 65%. Agora, com o Decreto nº 8.658, mediante o impacto de mais uma majoração de 15%, a carga tributária se elevará a 68%, número ao qual deve se acrescentar a elevação generalizada de ICMS nos mais diferentes estados. Dito de outra forma, conforme o caso, os impostos chegarão a mais de 70% do valor dos cigarros.
O paradoxo da voracidade tributária consiste em que o governo, à medida que aumenta os impostos visando a uma maior arrecadação, produz a consequência inversa, a saber, uma perda de arrecadação. As consequências sociais são também enormes, atingindo os mesmos princípios constitucionais de uma sociedade justa.
Se impostos inviabilizam empresas e se o contrabando aumenta, a arrecadação de impostos cai. No caso do contrabando, as suas consequências não se limitam a esse setor agrícola, industrial e comercial, mas produz efeitos também na área da segurança pública, pois vem acompanhado frequentemente pelo tráfico de armas e de drogas. São divisas que deixam de entrar nos cofres do Estado, e passam a irrigar a contabilidade do crime organizado e do mercado negro, com todos efeitos nefastos daí derivados.
O contrabando de cigarros chegou à estonteante cifra de 32% do mercado nacional. Em estados como São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, atinge, respectivamente, os estrondosos números de 34%, 32% e 37%. Desde 2011, houve um aumento extraordinário de impostos, quando da introdução de um novo modelo tributário. A Lei nº 12.546/11 estabeleceu um novo regime fiscal aos cigarros, aumentando fortemente o IPI, nos últimos quatro anos, em 110%.
Os efeitos do contrabando são perversos. Quanto maior a tributação, maior o contrabando, em um mercado cujo consumo permanece estável. Só que, agora, o produto é fruto do contrabando proveniente do Paraguai, em condições de produção e de higienes precárias. Contudo, tal produto tem um preço extremamente competitivo, sobretudo para as camadas de baixa renda. E isto se deve a que tal tipo de “comércio” não paga impostos.
As distorções do ponto de vista de uma economia de mercado e de defesa da livre iniciativa, em um Estado de direito, são evidentes. O país perde em todos os aspectos, inclusive no tributário. De um lado, o princípio constitucional da livre iniciativa, de outro o “princípio burocrático de sufocamento” desta mesma liberdade.
A questão que se impõe é a seguinte: onde ficam os princípios constitucionais frente a tal distorção, produzida por uma política governamental baseada no arbítrio e na desproporcionalidade tributária?
Denis Lerrer Rosenfield
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