Afinal de contas, o que defende o papa Francisco?
Para começo de conversa, é inimaginável pensar no Chefe da Igreja Católica defendendo o marxismo-leninismo como alguns hermeneutas chegam a sugerir. Nada disso. Ele já chegou a dizer que “Marx não inventou nada” e que “os comunistas roubaram nossa bandeira” (Igreja Católica)
O que está no foco das acusações do cardeal Bergoglio são os desvios e disfunções que se operam no bojo do sistema capitalista, como a especulação financeira, que desvia a função do capital na produção de bens a serviço da coletividade, nova forma de colonialismo.
Ele é contra a opulência, a riqueza a ambição dos poderosos, a promiscuidade com os mais fortes e ricos. Trata-se de um humanista. Que conhece profundamente a realidade latino-americana. Em sua trajetória, conviveu com os mais carentes.
Se fossemos creditar ao papa Francisco um escopo ideológico, este seria próximo aos valores de uma sociedade livre, abrigo dos direitos individuais e sociais, e sob a bandeira da igualdade dos cidadãos, todos tendo acesso aos mecanismos da justiça.
Se a socialdemocracia respira por esses poros, o papa seria, então, um socialdemocrata. Atente-se: com uma visão profundamente religiosa e humana.
Não seria adepto de uma “revolução socialista”, nos termos do socialismo utópico, nem defensor do “neocapitalismo opressor”.
Seria o pregador por excelência de princípios doutrinários extraídos tanto do socialismo como do liberalismo, adaptados às características de cada Nação.
Combinaria com o que pensam nossos atores políticos, partidos e representantes? Vejamos.
Na década de 80, Darcy Ribeiro, senador e antropólogo, chegou a pintar a fusão de princípios, mostrando a Leonel Brizola um “socialismo moreno” como doutrina para o Brasil. O achado linguístico foi esquecido.
Todos os nossos presidentes querem tocar nessa orquestra. Fernando Henrique dizia que o “autoritarismo burocrático com poder econômico-financeiro mina o espírito da democracia constitucional”. Era a acusação que jogava sobre o governo Lula.
Os petistas e tucanos exibem, porém, traços de concordância em alguns aspectos. Suas gramáticas, expurgadas de exageros, descrevem abordagens semelhantes na forma de conceber o papel do Estado e a administração do governo. São parentes na concepção da socialdemocracia.
Em 1989, o tucanato definiu no documento “Os desafios do Brasil e o PSDB” o papel do Estado na condução de programas econômicos e sociais.
Em seu início, em 80, o PT considerou o sistema socialdemocrata inepto para vencer o “capitalismo imperialista”. Mesmo após a queda do Muro de Berlim, cultivou a velha utopia, até aceitar, não sem resistências internas, a realidade imposta por novos paradigmas.
O documento foi decisivo no processo de descarte de dogmas que não resistiram aos ventos da modernidade. O socialismo utópico evaporou-se nos ares da abstração.
As ideologias cederam lugar aos ismos da modernidade: pragmatismo, capitalismo (mesmo sob um Estado controlador) e liberalismo social.
Os modelos de economias assentadas na solidariedade cedem lugar a programas reformistas, voltados para atender a demandas pontuais e urgentes.
As autonomias nacionais passam a se impregnar de ares globalizados.
O crescimento desordenado e a qualquer preço é balizado por metas de inflação.
Os programas de privatização, tão combatidos pelo PT, hoje fazem parte de suas bandeiras, agora sob a designação de “concessões”.
O nacionalismo, bandeira recorrente na América Latina, abriu espaço para ingresso de capitais internacionais. Gastos a fundo perdido começam a ser regrados por normas de responsabilidade fiscal.
O que significam tais reconfigurações?
Um modelo de gestão responsável e eficaz, comprometido com crescimento, preservação da estabilidade macroeconômica, atendimento às demandas sociais, enfim, administração equilibrada das relações entre Estado, mercado (capital) e sociedade.
Esse é o eixo que o sistema socialdemocrata tenta aprofundar em seu berço, o continente europeu, sendo visto com simpatia pela maioria dos atores políticos do mundo hodierno.
Mas a modelagem continua a corroer alguns eixos, particularmente o peso do capital financeiro e as carências sociais. Este é o alerta do Papa Francisco. Portanto, senhores políticos, atentem para as palavras, cheias de bom senso, do modesto jesuíta argentino.
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