Com precisão cirúrgica, Consuelo deixa que os agentes e os fatos expliquem e justifiquem as decisões tomadas, formando um quadro impressionante da maneira errática com que a economia foi, e é, conduzida no país.
As cartas marcadas do rateio do consórcio das Teles e os milhões empregados pelos fundos para realização do negócio, sem nenhuma garantia de ingerência nas decisões futuras das companhias, explicam a revolta dos que defendiam um modelo diferente de privatização.
A eleição de Lula retira do comando os economistas ligados ao livre mercado e faz emergir outra, de origem trotskista, saída do sindicato dos bancários de São Paulo, desejosa de devolver ao Estado o poder decisório.
Militante da Organização Socialista Internacionalista, ao lado de Gushiken e Palocci, Sérgio Rosa assume o controle dos fundos e passa a exigir voz ativa nas empresas em que os pensionistas tinham participação.
Daniel Dantas se transforma na personificação máxima do interesse predatório da iniciativa privada e é caçado a tapa pela Operação Satiagraha. O banqueiro acaba preso e perde seu cargo como representante do Citibank no Brasil, segundo versões não comprovadas, por pressões do governo junto aos americanos.
No capítulo "O Desenvolvimentista", Dieguez narra a saga do BNDES. Nele, fica claro o quanto o PT, uma vez no poder, passa a proteger os interesses de empresas alinhadas com seu projeto de poder, repetindo e aprofundando um comportamento que, um dia, jurou corrigir.
Mineradoras e frigoríficos receberam fortunas em incentivos, enquanto setores de alta tecnologia ficaram esquecidos. Em 2010, três anos depois de eleito presidente da instituição, Luciano Coutinho confessa que o banco de desenvolvimento nada fez pela indústria de ponta do Brasil. "Ela foi destruída nos últimos anos", afirma ele, com evidente pesar.
O livro faz um resumo assustador do deslumbramento ufanista em torno do pré-sal. Em êxtase com a possibilidade de se transformar na nova Venezuela, o governo engessa a exploração dos poços e abandona o álcool.
As promessas de investimento a longo prazo firmadas com o setor usineiro são desfeitas, enquanto outros países avançam nas pesquisas, assumindo uma posição de vantagem numa área onde o Brasil surfava sozinho. É o desmantelamento de uma política energética própria e menos poluente.
"Bilhões e Lágrimas" é uma obra apavorante. Já perto do fim, surgem nomes como o de Paulo Roberto Santos, e o leitor testemunha, como num túnel do tempo, os caminhos que nos levaram aos descalabros revelados na Operação Lava Jato.
A ascensão da Friboi; as doações para a Game Corp, do filho do ex-presidente Lula, feitas por empresários interessados em bajular o Planalto; as oportunidades perdidas pelos setores de alta tecnologia; o aparelhamento de empresas estratégicas em troca de interesses partidários; está tudo ali, resumido em pouco mais de 300 páginas.
Seja por incompetência, corrupção, esperteza, ganância ou deslumbramento, "Bilhões e Lágrimas" liquida com a ideia tacanha de direita x esquerda, de povo x elite, PT x PSDB. Uma vez sentados no trono, todos rezam o rosário do próprio interesse.
Lula critica, hoje, uma candidata eleita por sua vontade, que seguiu uma política implementada por seu governo. A obra de Consuelo Dieguez é um documento importante para os que se veem tentados a enxergar no ex-presidente uma terceira via futura.
"Bilhões e Lágrimas" deveria entrar para a lista obrigatória do MEC, como antídoto a qualquer oportunismo ou maniqueísmo partidário.
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