Não bastasse o segundo semestre ter sido decretado um grande ponto facultativo em razão das eleições municipais, nas poucas semanas em que se dignaram a bater ponto em Brasília, os congressistas decidiram reduzir a pauta a resolver o problema das emendas, a conchavos para a sucessão nas mesas da Câmara e do Senado e à agenda pessoal de Jair Bolsonaro. Nada mais descolado da realidade de um país que assiste a rios secarem e tem dificuldade para respirar.
A terça-feira não poderia ter sido mais sintomática desse descolamento da realidade por parte do Legislativo. Enquanto Lula se deslocava à Amazônia com uma caravana de ministros, e o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinava ações para o Executivo — em mais uma dessas bolas divididas que têm se tornado mais e mais frequentes —, os deputados passaram o dia envolvidos em fofoca e numa tentativa canhestra por parte da extrema direita de aprovar um projeto de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro.
Claro que o foco não são os executores do vandalismo que tomou de assalto as sedes dos três Poderes no início de 2023, mas os mandantes, financiadores e idealizadores dos atos, cujo julgamento está para acontecer. Em resumo, Bolsonaro e aqueles que, ainda na Presidência, ele arregimentou para um plano continuado de desestabilização do processo eleitoral e da transição de poder.
Depois de tomar para si o 7 de Setembro, transformado numa espécie de evento fixo do calendário de culto à personalidade, Bolsonaro enxergou noutra discussão alheia aos interesses da maioria da população, a troca de guarda no comando das duas Casas do Congresso, a oportunidade de encaixar a anistia para si e para os seu
Resolveu passar a chantagear os candidatos à presidência da Câmara, atrelando os votos de seu partido, o PL, à promessa de um dos postulantes ao cargo de Arthur Lira de que votará o trem da alegria para os golpistas. Com isso, bagunçou o coreto de Lira e do governo, que vinham apostando em relativa tranquilidade para construir maioria em torno do nome de Hugo Motta, do Republicanos, um azarão que correu por fora na disputa pela valiosa cadeira.
Diante das cenas cada vez mais flamejantes de um país que arde, e das consequências graves para o fornecimento de energia elétrica e para as lavouras e pastagens, para ficar apenas em alguns setores que sofrem com os incêndios e a estiagem, os senhores parlamentares deverão começar a falar do assunto que até aqui desprezaram nos próximos dias, essa é uma certeza. Mas então já estará evidenciado o efeito nefasto da paulatina transformação do Congresso Nacional numa caixa de ressonância pura e simples da polarização ideológica, que tem capturado os debates e relegado ao segundo plano assuntos urgentes, sobretudo neste ano.
Enquanto a pauta negacionista e golpista galopa no Salão Verde, cabe, de novo, a um ministro do Supremo tomar decisões. As medidas determinadas por Dino, desta vez, incomodam também o governo, que tem de executá-las. Mas é o tal negócio: não existe vácuo de poder. E, diante de uma situação cada vez mais evidente de que a emergência climática virou tema permanente, alguns parecem ter acordado mais rapidamente que outros.
Vera Magalhães
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