Como observou o bom Jean-Jacques na "Carta sobre a Providência", escrita após o grande terremoto de Lisboa, de 1755, não foi a natureza que, numa área exígua, "reuniu 20 mil casas de seis ou sete andares". E arrematou: "quantos infelizes pereceram neste desastre, porque quiseram pegar, um suas roupas, outro, sua papelada, outro, seu dinheiro?". Hoje as ideias de Rousseau parecem óbvias, mas não o eram no século 18. Ali, a reação das pessoas era a de acorrer às igrejas e caprichar nas rezas e penitências.
Precisaremos cada vez mais dar ouvidos ao genebrino, porque o que há de mais certo sobre a mudança climática é que ela aumentará a frequência de eventos extremos. As "enchentes do século" ocorrerão ao passo de décadas; habitar áreas de encosta, que sempre foi algo arriscado, se tornará extremamente perigoso. Como boa parte do aquecimento futuro já está contratada, muito dos nossos esforços terá de ir para a adaptação, tanto a prevenção como a gestão de catástrofes. E essas são áreas em que o Brasil vai tradicionalmente mal.
Nosso sistema político favorece o curto-prazismo (é só ver a situação do saneamento básico) e atomiza a aplicação de recursos, o que dificulta investimentos em redes de maior abrangência, como uma defesa civil integrada.
É interessante observar que Rousseau escreveu sua "Carta..." para livrar a cara de Deus de uma acusação feita por Voltaire: como poderia uma entidade benevolente e onipotente permitir tal tragédia? O genebrino não resolveu o problema da justiça divina, mas apontou para uma área de atuação em que os homens não podem fugir a suas responsabilidades.
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