Abordando a questão atual das doenças mentais que afligem toda a humanidade, sem que a ciência seja capaz de fornecer uma explicação convincente, Kumar apresentou o seu diagnóstico. Segundo ele, não são as ansiedades da era digital, da inteligência artificial, da crise da democracia, que estão fazendo com que a dor da alma, da insatisfação universal, cresça como uma epidemia. E as receitas crescem, levando inexoravelmente às farmácias e aos seus lucros.
A filosofia do guru espiritual é mais simples. Segundo ele, a causa da ansiedade universal que nos aflige se deve ao fato de que o crescimento e o desejo pelo puramente econômico não são capazes de preencher o nosso vazio espiritual. “Não importa quanto você tenha e ganhe, nunca será suficiente, você nunca será totalmente feliz”, afirma. E pede mais. E isso até o infinito. Serão realmente os mais felizes, os menos angustiados, os mais serenos, os que menos adoecem, os que têm menos medo da morte, os que acumulam mais poder e riqueza?
O amor viria antes da democracia. “Por si só, não é sequer garantia de um bom governo”, algo que hoje vivemos com mais força do que nunca, pois se há algo no mundo da política atual é que até a democracia, que era uma espécie de religião que garantiu as liberdades individuais e sociais, está mais em crise do que nunca.
Em sua filosofia, o idoso guru que continua viajando pelo mundo espalhando sua utopia de que o amor precede qualquer possibilidade de felicidade profunda e duradoura também insiste que uma vida psíquica e feliz, por mais tecnológica e avançada que seja, é impossível sem contato físico com a natureza, junto às árvores e seus frutos, perto das flores de um jardim ou dos olhos de uma borboleta. Para ele, é incompreensível que no Brasil, um dos países com maior superfície natural virgem, continuem a existir cidades gigantescas como São Paulo ou Rio de Janeiro, com milhões de pessoas aglomeradas nas quais as crianças nunca viram um pássaro voar ou que nunca subiram em uma árvore.
A aparente simplicidade da filosofia da felicidade de Kumar, segundo a qual a solidariedade, a amizade, o amor à natureza, a compreensão da dor dos outros vêm antes da ideologia e da política, coincide neste momento com um tema que envolve o Brasil nesse mesmo mistério.
Desta vez não foi um simples e místico monge, mas o intelectual, presidente da Academia Brasileira de Letras e colunista do jornal O Globo, Merval Pereira, que em sua coluna intitulada Solidariedade aborda do ponto de vista político a força que é ter esse valor e a quebra de preconceitos políticos diante da tragédia humana das enchentes na região Sul do Brasil . Numa das regiões mais ricas do país e ao mesmo tempo mais direitista, como escreve Merval: “A dura tragédia que está a custar tantas vidas e a evacuar cidades inteiras serviu para redescobrir a importância da solidariedade”.
É naquela região onde o país está fortemente dividido entre os seguidores do progressista Lula e do ultradireitista Bolsonaro. E está a ser uma descoberta ao mesmo tempo da tragédia humana e da solidariedade que a acompanha, que leva as pessoas a sacrificarem as suas vidas para salvar outras, onde se torna tangível, como sublinha o colunista, que voltamos a ter um país que une em torno de uma causa independentemente de os voluntários que expõem suas vidas serem lulistas ou bolsonaristas. Assim como os militares que, divididos, estiveram a ponto de cair na tentação oferecida por Bolsonaro de dar um golpe de Estado, hoje estão unidos, sem rótulos políticos, na dura e arriscada ajuda para salvar vidas, sem pedir em quem votaram nas urnas.
Será ou não o amor, a solidariedade, a amizade, o respeito à natureza, uma vida simples, sem ansiedade em acumular riquezas e sem exigir rótulos políticos, não apenas a melhor receita para a felicidade, mas até mesmo o melhor remédio contra as dores da alma?
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