sábado, 18 de maio de 2024

A próxima revolução será dos bichos

Em 2022, Bolsonaro autorizou que os brasileiros repatriados da Ucrânia trouxessem consigo, nos aviões da FAB, seus animais de estimação. Um ano depois, Lula fez o mesmo em relação aos cidadãos resgatados de Gaza. Diferentes em (quase) tudo, os dois presidentes estiveram de acordo ao reconhecer os vínculos entre os humanos e seus companheiros de outras espécies. Não se cogitou deixar ninguém para trás.

A história se repete, agora, no Rio Grande do Sul. Cerca de 11 mil animais — entre domésticos e silvestres — foram salvos e levados para abrigos (isso sem contar os milhares de resgates feitos por prefeituras, ONGs e voluntários). Um hospital veterinário de campanha foi montado em Porto Alegre. Reencontros de cães e seus tutores renderam momentos emocionantes. O cavalo impassível sobre uma improvável ilhota metálica, que um dia fora um telhado, se tornou símbolo ao mesmo tempo de vulnerabilidade e resistência. Do frágil equilíbrio em que estamos todos — e da esperança que não podemos perder.


Tem sido assim nos recentes desastres ambientais: mutirões prestando socorro a aves cobertas de óleo, à fauna atingida por queimadas, secas, inundações. Mas é uma compaixão seletiva.

Animais escravizados em circos já estão proibidos na maioria dos estados (falta uma lei nacional). Dezenas de milhares, entretanto, permanecem cativos em zoológicos e aquários — os freak shows do nosso tempo —, onde continuam a ser usados para entretenimento e lucro. Há santuários e instituições que cuidam da preservação de espécies ameaçadas, mas esses são minoria. Caiu no esquecimento o escândalo das 18 girafas retiradas de seu hábitat, na África, para viver confinadas no Rio de Janeiro. Quatro já morreram.

Ainda convivemos com o conceito de “carga viva”, cujo transporte requer cuidados para que “a mercadoria chegue a seu destino da maneira esperada”. Sim: “mercadoria” é o termo usado para seres que sentem dor e prazer; experimentam medo, raiva, solidão; sofrem traumas e estresse. Quem já visitou um abrigo de animais à espera de adoção, esteve em um matadouro ou viu a cachorrinha que continuava “nadando no ar” mesmo depois de salva das águas saberá bem do que se trata.

Joca, o cão que a companhia aérea Gol tratou como carga — e deixou morrer de calor — , dá nome ao Projeto de Lei que proíbe o transporte de pets em porões e bagageiros. É mais um passo numa longuíssima maratona. Enquanto nos comovemos com Joca e Caramelo, 34 milhões de bovinos, 57 milhões de suínos e mais de 6 bilhões de aves são mortos por ano no Brasil. Todos igualmente sencientes — mas, para eles, o artigo 225 da Constituição (que veda submeter animais a práticas cruéis) é letra morta. Lembrando: proteína animal pode ser necessária; crueldade nunca é.

Desde Darwin já se sabe que há uma continuidade entre as espécies e que a mente do ser humano e a dos outros animais superiores (peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos) difere apenas em grau, não em tipo. No entanto pleitear igualdade moral para os animais ainda soa absurdo para muitos. Afinal, os Homo sapiens seriam superiores por direito divino — tanto quanto dizem os sexistas em relação ao sexo oposto; os racistas que desumanizam os de outra origem étnica; os homofóbicos, para quem só seu desejo é lícito etc.

Devagar, vamos nos dando conta de que tudo o que é vivo importa. A próxima revolução — a dos bichos — já começou.

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