terça-feira, 1 de março de 2022

Adeus às armas

Miguel Morales Madrigal (Cuba)
A pesquisa apresentada pelo instituto Ipespe esta semana mostra que a sociedade brasileira valoriza a democracia (69%) e é contra o porte de armas (62%), apesar de seguir conservadora em temas como aborto, drogas e maioridade penal.

Em 1929, o romance de Ernest Hemingway (em inglês, A Farewell to Arms) trazia uma espécie de autobiografia emocional. Mesmo não sendo fiel à experiência do autor americano na Primeira Guerra Mundial, espelhava sua angústia em relação à falta de sentido da guerra enquanto evento da realização humana.

O século XX foi marcante em um tema que deveria ser a dimensão mais importante do desenvolvimento humano – a paz. Ao mesmo tempo em que dezenas de milhões de pessoas saíam de suas casas para matar e morrer em fronts de batalha, os que ficaram em seus países criaram movimentos pela paz para as transformações sociais seguintes concorrentes com a doutrina da guerra.

Nesse cenário, um novo setor produtivo cresceu e se consolidou como o mais rentável e influente do planeta, desde então, pautando o destino da geopolítica global e da gente simples, fossem parisienses ou congoleses.

Há quem atribua ao ex-presidente Dwight Eisenhower o desabafo de que a maior ameaça aos EUA após a Segunda Guerra Mundial não seriam os soviéticos, mas sim a indústria de defesa.

Nesse universo estão incluídos desde os fabricantes de cantis até as fábricas de mísseis hipersônicos e submarinos nucleares, passando por artigos de gosto popular como os óculos escuros ou o revólver calibre 38.

No início, os homens matavam-se usando pedras e paus (e digo homens mesmo, porque não foram as mulheres). E não pararam de fazê-lo ao se tornarem seres socialmente mais desenvolvidos (o que seria o esperado). Na verdade, deixaram apenas de usar pedras, cabendo lembrar que não foi por falta de pedras.

Em um paradoxo injustificável sob quaisquer princípios razoáveis, à medida em que a sociedade, o direito, o Estado e a economia se desenvolveram, o esforço de sofisticar as ferramentas de mortes só aumentou. Desse modo evoluiu-se (ou melhor, involuiu-se) das pauladas pré-históricas para o drone Reaper que custa US$11 milhões e lança mísseis Hellfire.

Utilizam-se eufemismos, como o da dualidade tecnológica, para tornar aceitável a produção de armas de alta tecnologia, sob o argumento de que a indústria armamentista produz ciência que melhora a vida civil, como o forno micro-ondas, os motores a jato, o raio-x, a penicilina e a internet. É contraditório que tais avanços só sejam viáveis ao custo de dezenas de milhões de mortes e mutilações.

Em outra ilustração simplória, podemos dizer que o crime organizado só dispõe de fuzis e granadas porque existem fuzis e granadas. Essa questão é fundamental. A causa original dos crimes com armas de fogo não é o fato de as armas serem roubadas ou contrabandeadas, mas, simplesmente, o fato de elas existirem.

Pode soar como um resgate do “faça amor, não faça guerra”, mas não há sentido algum em estarmos enfrentarmos uma pandemia de Covid-19 (num esforço que uniu a humanidade) e ter ao mesmo tempo as forças armadas pelo mundo afora em plena corrida por modernização e expansão.

Seja na fronteira ucraniana ou no Morro do Alemão, seja na Amazônia ou na Síria, o primeiro passo para a paz é não se admitir que seja natural, sob nenhum pretexto, a prática da violência entre indivíduos, ou entre povos.

Os cidadãos comuns querem paz, trabalho e saúde. Seja em democracias ou em regimes autoritários, as pessoas não têm o menor interesse na guerra. Em paródia mais saudável de máxima antiga “se queres a paz, prepara-te para a paz”.

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