sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A autoridade da voz

Há quem já tenha estabelecido a diferença entre a voz da autoridade e a autoridade da voz. Aquela, entendida como a voz de quem ocupa um cargo; esta, como a de quem a possui por méritos que transcendem e independem do título.

A primeira tem prazo de validade que pode expirar de forma precoce, antes mesmo do mandato. A segunda tem prazo indefinido e pode se estender por toda a vida e atravessar a história.

O tema veio em conversa recente com o ex- presidente do Supremo Tribunal Federal, Ayres Brito, em torno de fatores institucionais que importam a estabilidade política, entre os quais se insere a preservação da liturgia do poder.

O caminho mais erosivo para a voz da autoridade é a banalização do discurso, por sua frequência e superficialidade. Um presidente da República, por exemplo, deve sempre falar com o país, mas precisa ter o que dizer – e saber dizê-lo, com propriedade e oportunidade.

A voz dessa autoridade é importante para exercer o convencimento na hora de mudanças, exibir imparcialidade, trazer luz a debates que importam à sociedade e prestar contas, entre tantos outros objetivos inerentes à missão.

São fartos os exemplos de um e de outro. Para ficar na história recente e doméstica, vale lembrar o período tenso que precedeu nosso primeiro impeachment, quando Fernando Collor, alcançado por escândalos de corrupção, resistia à renúncia com discursos desorientados.



O jurista e ex-ministro Leitão de Abreu o classificou na ocasião como uma autoridade sem voz, ao dizer que se transformara em um presidente que já não era mais ouvido. O diagnóstico de Leitão foi o de “perda da autoridade política” e a situação impunha que alguém comunicasse isso ao presidente. O final da história é conhecido.

O presidente Jair Bolsonaro segue a mesma trilha ao banalizar a voz do chefe de governo em um dos períodos mais difíceis (senão o mais) do país. Pior que isso, fez de seu ministério, como um todo, um conjunto de autoridades sem voz e credibilidade a produzir frivolidades diárias.

Tome-se por exemplo, por ser um dos principais cargos de qualquer governo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem o mercado e o meio político chamam nos bastidores de “animador de auditório”.

Quando economistas admitem o risco de uma taxa de desemprego entre 15% e 20% em 2021, não se conhece um roteiro para orientar a economia, mas todo dia tem discurso reativo aos críticos dessa omissão que passaram à categoria de “detratores”.

Ao contrário, a expectativa de sobrevivência do governo passou a ser a aliança com o centrão, visto pelo ambiente econômico e financeiro como “a turma do gasto”. Ou seja, não há temor pela esquerda ou direita, mas pelo centrão, cujo aumentativo não o põe no centro político, mas no centro de custos.

No vácuo de ações, o tempo vai exibindo bizarrices como a exclusão de negros da fundação Palmares, cujo objetivo é resgatar e afirmar os valores… negros. Aqui e ali, o ministro da Saúde, general Pazuello, reafirma sua continência ao discurso anti-vacina comunista.

E, na mais pura ironia, o comandante do Exército, Edson Pujol, voz mais sensata até aqui justamente por dizer o óbvio, caiu do cavalo (literalmente).

O Brasil clama por uma voz com autoridade entre tantas autoridades sem voz.

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