— Pai, por que umas pessoas nascem feias e outras bonitas?
O pai, sentado no banco de cimento, fingiu não ter ouvido.
O filho, de pé, uma pequena vara na mão, agachou-se debaixo do pau-brasil, onde três gatos se lambiam, aproveitando o sol da tarde.
Desde que se separara da mulher, há seis anos, via o filho apenas esporadicamente. Daiana reclamava, com razão, mas até um mês atrás trabalhava de porteiro num edifício no Tatuapé, à noite, e durante o dia biscateava... Agora, fora mandado embora — “Sinto muito, Gileno, mas é a crise”, o síndico falou, explicando que tinham contratado uma empresa terceirizada, que barateava os custos, mas que se quisesse poderia recomendá-lo, etc. — e não conseguira nenhuma colocação. Fim de ano, começo de ano, uma dor de cabeça arrumar emprego...
— Pai, por que umas pessoas são gordas e outras magras?
O pai olhou para o menino, mas ele se mantinha de costas, como se falasse para outra pessoa. Resolveu ignorá-lo.
Desempregado, Daiana incumbiu-o de cuidar do menino. Antigamente, quando chegava dezembro, a mãe despachava-o para ficar com a avó, em Sergipe, de onde voltava esturricado de sol. Mas ela morrera, e em Estância só restaram duas irmãs, com quem não se dava. O menino passara as últimas férias preso dentro de casa, vendo televisão, enquanto ela trabalhava de cozinheira num restaurante em Pinheiros, uma tristeza, coitadinho...
— Pai, por que umas pessoas são ricas e outras pobres?
O menino levantara e, com a vara, brincava de conduzir um rebanho de patos para o meio da alameda.
Como é que esse peste ajeita tanta perguntação, o pai indagou-se, entre orgulhoso e irritado.
Sem nada para fazer, decidiu tentar proporcionar férias inesquecíveis para o filho. Não tinha dinheiro para viajar, mas resolveu que todo dia iria levá-lo a um lugar diferente em São Paulo mesmo. Conhece o Zoológico? Não? Pois então vamos ver os bichos! Conhece a avenida Paulista? Não? Pois então vamos ver aquele povo correndo de lá para cá, feito formiga. Conhece o Centro?, o Pátio do Colégio?, a Catedral? Agora se encontravam no Parque da Água Branca, longe, muito longe de onde morava, quase duas horas ônibus-metrô-ônibus.
O menino jogou a vara fora, limpou as mãos na bermuda, ajeitou o boné e perguntou:
— Pai, por que umas pessoas são felizes e outras não?
O homem levantou, encheu os pulmões com o ar quente de janeiro, observou a luz que penetrava por entre a copa das árvores, disse:
— Está na hora... Vamos indo?
Em silêncio, saíram caminhando devagar, lado a lado.
Luiz Ruffato
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