quarta-feira, 18 de setembro de 2019

É possível forçar Bolsonaro a proteger o meio ambiente?

Quadrilhas criminosas destroem a Floresta Amazônica cada vez mais rápido e assassinam ambientalistas, enquanto, na maioria dos casos, autoridades e Justiça ficam só olhando: esse cenário sombrio é o que revela o relatório Rainforest Mafias (Máfias da floresta tropical), divulgado nesta terça-feira  em São Paulo pela Human Rights Watch (HRW). Nos próximos dias, a ONG apresentará o documento aos grêmios de direitos humanos das Nações Unidas.

A política indígena Sonia Guajajara quer também abordar as infrações em encontros com representantes da União Europeia (UE) e diante do Parlamento Europeu: "Quero que as pessoas lá fora reconheçam que o Brasil está violando direitos humanos e ambientais."

Ela fala ainda em crime de ecocídio (destruição em larga escala do meio ambiente), reconhecido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) como crime contra a humanidade. "Quem pratica esses crimes precisa ser penalizado", afirma.

A pressão sobre o governo brasileiro deve vir também dos mercados, frisa Guajajara: "E as empresas precisam ser responsabilizadas, quem está comprando e quem está produzindo."


Segundo Carlos Rittl, do think tank Observatório do Clima, a política ambiental do Brasil não é compatível com seus esforços de abertura econômica: "Para um país que está tentando se abrir e abrir mercados, atrair parceiros e investimentos, o governo está agora fazendo o contrário, mostrando que não é um parceiro confiável. É péssimo para a imagem do Brasil e das empresas brasileiras."

Rittl está convencido de que o presidente Jair Bolsonaro acabará cedendo à pressão internacional: "A pressão vinda através dos mercados vai trazer lições muito duras para o governo brasileiro, de que não é possível matar e desmatar e produzir em cima de sangue, de florestas destruídas, e achar que alguém vai comprar."

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva reagiu ao relatório do HRW com "um misto de tristeza e indignação". Em seu mandato, os padrões e controles ambientais foram elevados, reduzindo o desmatamento em 80%, e "agora, em oito meses, o trabalho que foi feito em décadas está sendo totalmente destruído". "O governo faz isso em dois níveis: num discurso que estimula a ilegalidade e numa série de atos que dão às pessoas o sentimento da impunidade. É a primeira vez que se tem um discurso oficial contrário às políticas de preservação."

Marina vê poucas chances de se alcançar algo através da pressão internacional. "Infelizmente esse governo não aceita nem a pressão interna nem a externa; o presidente tem visão negacionista, visão de início do século 20, de que os recursos naturais podem ser destruídos impunemente."

Por sua vez, o ex-ministro do Meio Ambiente e embaixador do Brasil em Washington Rubens Ricupero aposta muito na pressão vinda do exterior: "A pressão é fundamental, sem a pressão nada vai mudar. E mesmo que o governo tenha uma reação negativa e diga que não vai levar em conta essa pressão, a experiência brasileira desde a época militar mostra que a pressão é eficaz."

É de se esperar que o governo interprete isso como ingerência em assuntos internos e um atentado à soberania brasileira: "Os governos não gostam da pressão e se defendem sempre com esse argumento falso da soberania. Mas quanto mais pressão, maior é a esperança de que se possa mudar alguma coisa. E se houver consequências econômicas, melhor ainda, porque elas fazem com que os interesses das grandes organizações econômicas, como os exportadores, se movimentem."

O constante noticiário negativo sobre a destruição ambiental no Brasil prejudica a imagem do país, confirma o cientista político Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas: "O Brasil é no momento o pária global, tem dificuldade em defender a própria imagem. E no exterior isso causa perplexidade, pois foi justamente a reação de Bolsonaro aos incêndios florestais que desencadeou esse debate global."

O presidente reagiu com sarcasmo e ironia às declarações da chanceler federal alemã, Angela Merkel, e do presidente francês, Emmanuel Macron, de que estavam preocupados com a Floresta Amazônica. Além disso, corresponsabilizou as organizações não governamentais pelos incêndios florestais e rejeitou ajuda internacional como sendo parte de uma conspiração contra o país.

"Bolsonaro se colocou deliberadamente como vilão na questão climática global. Isso ele calculou mal, ao reagir à crítica externa da mesma forma que à interna, ou seja, com provocação e escárnio", analisa Stuenkel. Em consequência, o presidente corre o risco de se tornar anátema para os governos estrangeiros, fato que coloca em perigo a influência política global do Brasil: "É possível que agora Bolsonaro mude seu discurso. Mas é muito improvável que a política climática brasileira vá mudar."

Nas últimas semanas, as primeiras empresas anunciaram boicotes contra o país, pois não querem ser associadas a ele, prossegue o cientista político. "E isso pode se alastrar." Quanto a uma ameaça ao acordo de livre-comércio entre a UE e o Mercosul, "a questão é até que ponto a sociedade civil alemã vai se mobilizar contra".

Contudo, uma não ratificação pela Alemanha não significa que o país mudará sua política. "No caso do Brasil, a pressão internacional pode também ser utilizada pelo governo para ainda reforçar seu argumento nacionalista, de que se trata de um complô contra o Brasil", diz Stuenkel.

Internamente, isso poderá até ter efeitos positivos para o presidente. Já em sua época de deputado, ele parecia sentir-se muito bem no papel do pária discriminado. "Não acredito que Bolsonaro se perturbaria se houvesse ainda mais boicotes de produtos. Isso o fortaleceria em sua narrativa, de que existe uma conspiração comunista contra o Brasil. Portanto é preciso tomar cuidado com a forma de reagir a essa política anticlima brasileira."
Deutsche Welle

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