Ana Paula Lacerda, de 39 anos, estava na maca hospitalar com dez centímetros de dilatação quando ouviu da médica que conduzia seu parto que faria a episiotomia. Trata-se de uma incisão na região do períneo para ampliar o canal de saída do bebê, recomendada em casos específicos. Amarrada, a jovem só pôde gritar. Ao dar os pontos na região cortada, a obstetra não utilizou anestesia e finalizou a sutura com o "ponto do marido", um ponto extra que estreita a entrada da vagina para supostamente proporcionar maior prazer ao homem na relação sexual.
O trauma vivido por Ana Paula é uma das várias formas de violência obstétrica, cruel realidade que afeta um quarto das mães brasileiras, de acordo com pesquisa nacional realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2010. O tema tem movimentado intensamente o debate público desde que o Ministério da Saúde publicou, na última sexta-feira (03/05), um despacho interno que orienta a abolição da expressão violência obstétrica de suas normativas. O texto afirma que "o termo tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado".
O texto alega que a expressão se refere ao uso intencional da força e, dessa forma, não seria aplicável a todos os incidentes que ocorrem durante a gestação, parto ou puerpério – também conhecido como resguardo. O ministério justifica, ainda, que considera a terminologia imprópria, por acreditar que "tanto o profissional de saúde quando os de outras áreas não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano" à mulher durante o atendimento materno.
Procurado pela DW Brasil, o Ministério da Saúde enviou nota em que atribui o despacho a um parecer publicado no ano passado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que regulamenta a atividade médica no país.
"Os médicos entendem que a autonomia da mulher deve ter limites, principalmente quando existem fatores que possam colocar tanto a mãe quanto a criança em risco, se o parto vaginal for escolhido, e em local que não seja o hospital", diz o parecer do CFM.
A discussão coloca em lados opostos corporações médicas, que veem uma ameaça à independência dos obstetras em sua atuação profissional, e movimentos em defesa da humanização do parto, os quais ressaltam a tentativa de transformar um processo natural da mulher numa patologia.
O Brasil é o segundo país que mais realiza cesáreas no mundo, com 55,5% do total, atrás apenas da República Dominicana, de acordo com um estudo baseado em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) e Unicef. Na rede particular, a ocorrência chega a 82%. A cirurgia deveria ser utilizada somente em casos específicos, mas se disseminou pela rapidez do procedimento, adequado à demanda mercadológica da rede privada.
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