O craque segue sendo Gilmar Mendes. É o Neymar da Corte. Individualista, abusado, debochado, parte pra cima, não respeita adversário, provoca a torcida, ataca pela esquerda cortando para o meio. Amante da liberdade, joga para si mesmo e distribui habeas corpus pelo campo como se os estivesse colocando com as mãos. Indisciplinado, ele desafia a autoridade da capitã Cármen Lúcia sem se constranger, não respeita esquema tático, não recompõe a lateral, não volta para marcar, mas como joga bonito! Quando disse que a Lei da Ficha Limpa tinha sido escrita por bêbados, foi tido por defensor de bandidos. Hoje, que estão todos embriagados, sem entender como resolver o caso do ex-presidente Lula, Gilmar levanta o cartaz do “eu já sabia”. Foi ele também que alertou para os exageros impraticáveis das Dez Medidas Contra a Corrupção — pelo jeito, só ele podia fazê-lo.
Gilmar brilha tanto que ofusca os companheiros. Marco Aurélio, vez ou outra, dá uma canelada, um bico para fora do estádio, e chama a atenção da torcida. Mas o arrojo de Gilmar só encontra paralelo no tribunal atualmente em Luís Roberto Barroso, que ocupa a parte oposta do gramado, puxando a orelha de diretores-gerais da Polícia Federal, quebrando o sigilo de presidentes da República e provocando o avanço do time sem medir as consequências de possíveis contra-ataques. Barroso faz o processo rolar bonito, mas dá passes arriscados, ousa sem necessidade, faz firula, cruza a bola na frente da própria área. Barroso joga para a torcida, dá carrinho depois que a bola já saiu pela lateral e, assim como Gilmar, costuma esquecer o time. Eles são o contrário de Edson Fachin, um clássico volante injustiçado.
O relator da Lava Jato no Supremo joga para o time. Sem vaidade — os corneteiros dirão que falta-lhe coragem —, Fachin divide as decisões mais importantes com os colegas. Vestiu a camisa da operação, como o finado Teori Zavascki, e não tenta jogadas irresponsáveis, enquanto o colega Luiz Fux passa o jogo todo se olhando no telão, à la Cristiano Ronaldo, e Celso de Mello conta seus últimos dias na Corte oferecendo a bola de segurança, fazendo o pivô e segurando os zagueiros adversários para o resto do time subir ao ataque.
O veterano Celso é a antítese da eterna promessa Dias Toffoli, o errático ponta esquerda que só descobriu que batia na bola com o pé errado depois de entrar em campo como profissional. Nas tabelas com Gilmar Mendes, o prodígio ainda pode chegar a se tornar um Philippe Coutinho, mas joga sob a sombra do estrelato frustrado do ex-corintiano Lulinha. Seu vigor juvenil compete agora com a disposição do novato Alexandre de Moraes para armar jogadas.
Para fechar a escalação atual, faltam apenas Lewandowski, que se acostumou a jogar de peito aberto, sem conseguir esconder o jogo; a capitã relutante Cámen Lúcia, no melhor estilo Thiago Silva; e Rosa Weber, que dá a impressão de ser a única capaz de se constranger genuinamente na Corte na hora de cometer uma falta para matar o contra-ataque adversário.
Os saudosistas dirão que as escalações antigas do STF eram melhores, mas quem as viu jogar? A primeira sessão televisionada do Supremo ocorreu em 23 de setembro de 1992, quando o então presidente Fernando Collor de Mello questionava o início de seu processo de impeachment. Desde então, a Corte, que foi anulada por Getúlio Vargas e pelo Governo militar, virou protagonista da política nacional. O STF se vangloria de ter sido o primeiro tribunal do mundo a transmitir suas sessões por canal próprio, em 2002, e se transformaria no reality show preferido dos brasileiros durante o julgamento do mensalão, quase final de Copa do Mundo.
Hoje, o Brasil tem 210 milhões de presidentes do Supremo, que sabem exatamente como cada ministro joga — ou como deveriam jogar — e que assuntos devem ser pautados pelo tribunal. É saudável, argumenta um pedaço da torcida, enquanto a outra parte da arquibancada grita que a hiperexposição prejudicou a Justiça brasileira na última década. O STF realmente deixou de ser um tribunal estabilizador — ou acomodador — para tumultuar ainda mais o meio de campo. Mas como reclamar dessas aulas públicas de direito ao custo de módicos auxílios-moradia?
Nos últimos 10 anos, a torcida brasileira aprendeu que um único ministro do Supremo pode segurar o quanto quiser a decisão sobre questões decisivas para o país — ou decidir sozinho sobre a mesma questão. Eles também podem mudar o entendimento sobre leis, passando por cima do poder Legislativo. Quanto mais há para aprender? Que os juízes supremos sigam, portanto, deferindo suas liminares, infringindo seus embargos, negando as aparências e disfarçando as evidências diante dos nossos olhos. Por pior que seja para eles e para a própria Justiça, pelo menos a gente pode xingar enquanto acompanha os lances.
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