quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O país está melhorando? Para quem?

Recebo o e-mail de uma amiga. Oferecia um apartamento de três quartos, avaliado em R$ 1,8 milhão, por apenas R$ 1 milhão. Negocião. Respondo: não tenho dinheiro para comprar. Um corretor do Rio de Janeiro, que me ofereceu um excelente ponto comercial há seis meses por R$ 3,5 milhões, escreve com nova proposta: R$ 2,9 milhões. Lamento, mas não posso. Um amigo foi, há um ano, para a França. Clandestino. Passou fome, mas trabalha em restaurante. Pinta paredes. Anunciou que voltaria ao país no final do mês. Acaba de desistir.

– Disseram que a coisa aí está brava.

Passeio pela região nobre dos Jardins, em São Paulo. É incrível o número de pontos comerciais desocupados. Antes, as pessoas se estapeavam para conseguir algum. Lojas fechadas. Grifes estrangeiras partindo. Mas abro o jornal e leio autoridades afirmarem que a situação está melhorando.


Minha percepção do mundo é pequena, restrita a amigos, conhecidos e falatórios. Não sou um instituto de pesquisa. Mas o dia a dia é doloroso. Um amigo não tem como pagar o plano de saúde da mãe, idosa. Se não pagar, ela ficará nas mãos da saúde pública. Sua expressão é aterrorizada. A classe média tem pavor da saúde pública. Entre os que ganham menos, obrigados a recorrer a ela, há histórias folclóricas. Como a da jovem grávida cujo exame pré-natal foi marcado para dali a dez meses. Óbvio, a criança nasceu antes. Mas isso porque o país está melhorando.

Obras públicas paradas. Foram construídos os pilares para o Veículo Leve sobre Rodas, em São Paulo, na Avenida Roberto Marinho, no caminho para o aeroporto de Guarulhos. O projeto era para a Copa, lembram-se? As enormes vigas estão abandonadas, sem explicação. No final da avenida, um canteiro de obras foi invadido por usuários de crack. Ninguém dá a menor satisfação. No Rio de Janeiro, a famosa ciclovia continua sem uso, desde que um pedaço dela caiu. Os responsáveis criaram uma ciclovia à beira-mar, no penhasco. E não calcularam que uma onda poderia bater e arrancar um pedaço. É piada? Não, um desastre. No Rio de Janeiro, como se sabe, não há verbas para pagar os salários dos funcionários públicos, sempre atrasados. Ah, sim. A culpa é dos aumentos concedidos por governos anteriores. Mas o país não estava melhorando?

Um professor universitário cuida da tia, aposentada. Pulava fino para dar conta das despesas com remédios e tudo mais. Estancaram o pagamento da aposentadoria da velha. O raciocínio é simples: jovens gritam e fazem manifestações. Velhos, encolhidos em um canto, não têm organização e condição física. Quem decide, resolve: danem-se os velhos. Simplesmente deixaram de pagar. O professor continuou segurando a situação, apertadíssimo. Dá aulas numa universidade carioca. Agora, não pagam seu salário tampouco. Tem de comparecer às aulas, para não ser exonerado. Quando há aulas. Recentemente, ao chegar, a faculdade estava às escuras: não havia pagado a conta de luz.

Eu, um simples cidadão, leio as pesquisas e me surpreendo: o país está melhorando! Há mais empregos com carteira assinada. Mais oportunidades de trabalho. Penso: devo estar no país errado. Esse, em lento ritmo de crescimento, mas crescimento, é o Brasil. Vamos ver. Entro no Google. Procuro um mapa. São Paulo é mesmo no Brasil? Verifico. É. Mas em qual Brasil? Nesse que dizem melhorar ou no das pessoas que sofrem com prejuízo atrás de prejuízo? Bem, no Brasil em que vivo há muita coisa linda. O prefeito de São Paulo, João Doria Jr., está construindo muros verdes na Avenida 23 de Maio. São incríveis. Vai colocá-los em outros lugares dessa cidade cinzenta. Mas minha empregada, dois filhos, recebia duas latas de leite em pó por mês, por criança. Agora, é só uma. Mais uma vez, não critico ninguém. Não sei quem tomou diretamente a decisão sobre o leite. Gosto dos muros verdes.

Talvez eu esteja completamente errado e minha percepção seja só isto: uma sensação individual. Até falam em aumento de impostos. O governo deve imaginar que a sociedade aguenta, portanto. Que ganhamos o suficiente para pagar mais ao governo, além do que já gastamos com plano de saúde, escola particular. Falei em plano de saúde? Ah, sim. Você paga. Mas, no caso de uma operação grave, o médico costuma cobrar à parte. O plano paga pouco para ele, e a diferença sai do meu e do seu bolso.

E tem mais, muito mais. Mas o país está melhorando!!! Eu é que devo estar no lugar errado, ainda não entendi muito bem o que está acontecendo. Alguém pode me dizer onde fica esse novo Brasil?

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