quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Estamos no caminho inverso da cidadania

Quem imaginar que os novos veículos - mais de 150 Corollas - da Polícia do Distrito Federal se prestam tão-somente à exposição, está redondamente enganado.

As viaturas, desde a semana passada, encontram-se postadas sobre os gramados e calçadas do Distrito Federal, em locais visivelmente proibidos para o estacionamento de qualquer veículo comum. Some-se isto o fato de que não se viu, pelo menos até agora, o DETRAN-DF, com sua eficiência e sanha arrecadatória, multar as viaturas da Polícia Militar.

Em episódio recente, mais precisamente no dia 11 deste mês, fui abordado pelo DETRAN-DF, em blitz surpresa, realizada no pavimento superior da Rodoviária, próximo ao Teatro Nacional. A invectiva se deu de modo hostil, como de resto é a prática dos Agentes de Trânsito, porquanto o pressuposto é que o condutor do veículo transmuta-se em bandido, sobretudo, pela pré-convicção do agente, embasado nos dados colhidos em seus aparelhos eletrônicos de consulta on-line, que aquele determinado veículo acumula infrações de trânsito, portanto, gerador de tributos não honrados pelo contribuinte, mormente, o IPVA.

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É cediço que mais de 1/3 da população do DF, proprietária de veículos, encontra-se em situação de inadimplência perante os órgãos de trânsito. Inversamente, mais de 50% ou mais das vias, placas, sinalizações, enfim, encontram-se inexistentes, senão em estados deploráveis. Orientação e educação para o trânsito praticamente é uma quimera, não obstante o código de trânsito estabeleça que do produto da arrecadação, tributos de tal natureza, um dado percentual, seja destinado a tal mister. Nada disso se vê nos tempos atuais, aliás, penso que nunca se viu em tempo algum.

Observa-se, em tais condições, o sentimento de prazer exalado pelo agente de trânsito do DETRAN-DF, quando atribui que sua abordagem fora vitoriosa. O ar de reprovação lançado ao condutor, à evidência dos dados em poder do agente, o impede o contribuinte/condutor de qualquer defesa naquela abordagem. Um verdadeiro exercício de poder em face do agora contribuinte subserviente que nada pode fazer, senão, sucumbir ao que for determinado naquele instante, sob o risco, inclusive, de o condutor, ele mesmo, também sair dali, igualmente preso, juntamente com o seu veículo apreendido. A sentença é proclamada e no mesmo momento executada! Não há maior poder potestativo do que o concedido aos agentes de trânsito do DETRAN-DF, ainda mais agora, com o porte de armas, instrumento de uso das forças armadas, irresponsavelmente deferidos aos gloriosos agendes do DETRAN-DF.

Reunidos em comboio, os veículos que foram abatidos, sobrevêm a melhor parte do espetáculo. Salvo os que irão guinchados, pelos caminhões do DETRAN-DF, ao custo de R$250,00 até o percurso de 15km - para além disso, acresce-se R$20,00 por quilometro – os demais postam-se em fila indiana, como que bandidos cabisbaixos e submetido à execração pública, todos, pois, conduzidos pelas esfuziantes viaturas do DETRAN-DF, com o alarde providencial, por meio dos cambiantes giroflex e manobras e interdições de trânsito para a passagem do comboio, como que a demonstrar o resultado da caça aos demais condutores, advertindo-os: você poderá ser o próximo.

A Grand Finale se dá quando se chega ao pátio de depósito, ou seja, na prisão. Ali, como num passe de mágica, os combativos agentes do DETRAN-DF se dispersam, somem, literalmente, porquanto, não há plateia e os condutores e seus veículos são instados a adentrar o pátio sujo e malconservado, eles mesmos a estacionarem os “presos” em brechas eventuais, vagas sem marcação, sem vistorias, recibos de depósito, orientações, absolutamente nada.

Surpresa maior ocorre no dia subsequente, quando o proprietário do veículo – apenas ele quem poderá fazê-lo – apressa-se em socorrer o encarcerado automóvel e surpreende-se para além da obrigação dos gravames, IPVA, multas, licenciamentos, e que tais e, mais além, uma “taxa” de depósito do veículo, R$40,00 por dia de cadeia, mais, pasmem, R$110,00 de vistoria, na retirada do veículo, não no ingresso, dessemelhante do exame de corpo de delito, realizado obrigatoriamente antes e depois do aprisionamento do sujeito, e, ainda, sim, ainda falta mais, uma outra sobretaxa, esdrúxula, denominada “valor de liberação”, no montante de R$40,00. Um acinte, um sortilégio, provavelmente gestado com o propósito, claro, explícito de arrecadação, incidente sobre aquele que, no mais das vezes, ainda não cumpriu sua obrigação tributária, mormente pelo enfrentamento da crise do Estado que submete seus contribuintes a situação vexaminosa, humilhante, vexatória, nos moldes acima narrados.

Pois bem, a que se presta toda a estória? A revelar que estamos no caminho inverso da cidadania, não que se queira justificar que o descumprimento das obrigações tributárias não seja passível de suas cobranças, absolutamente! Ademais, compete ao DETRAN o rigor da fiscalização, o zelo pelas vias, pela malha viária, pelos semáforos, pela orientação e educação no trânsito e outras atribuições de sua competência. A exigência do IPVA, que é tributo estadual, não se procede com a coação irresistível, é gravame que se cobra pela via judicial, com seus meios de defesa e inscrição do crédito em dívida ativa do ente público. O que há de se fiscalizar é o licenciamento do veículo, o que se há de verificar, são as condições de tramitação dos veículos na via pública, se se encontra em perfeito estado de funcionamento, se não causa risco à sociedade, enfim, se o condutor está apto e íntegro a conduzir o veículo, se as vias, como dito, se prestam a circulação, a sinalização, a orientação e educação para o trânsito. Nada disso se vê, nada disso importa. O que vale é a arrecadação desenfreada, a sanha avassaladora, o poder absoluto e a imposição exagerada. Nesse mister, ainda assim, o glorioso DETRAN-DF peca ao não multar as viaturas militares de que falamos no início, pois, embora expostas, praticam o toma lá, dá cá que tanto conhecemos, pois, os infratores, os agentes militares e seus reluzentes Corollas, são os delatores, os que transmitem os dados dos “criminosos” veículos, sempre por meio de seus dispositivos eletrônicos em rede, enquanto bandidos de carne e osso, estes sim, que deveriam ser alvo das galantes viaturas militares e seus oficiais condutores, grassam à solta, fazendo o que querem, praticando todos os tipos penais perante os cidadãos de Brasília.

André Braga

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