Em explanação, quarta-feira, perante a comissão da Câmara que analisa o impeachment, a professora de direito Janaína Paschoal – coautora da peça, ao lado dos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr. – foi categórica: “Sobram crimes!”.
Disse-o para contrapor-se, de maneira definitiva, ao hilário argumento do PT em sentido contrário – o de que o impeachment não se justifica por “não haver delitos”. Por essa insustentável artimanha, o partido, que pediu o impeachment de todos os presidentes que o precederam no poder, o considera um “golpe”.
O país e o mundo se espantam diariamente com as revelações em cascata do maior escândalo financeiro da história. Seis milhões nas ruas, pedem o fim do governo e cadeia para sua cúpula, mas, segundo Lula e Marilena Chauí, é tudo invencionice de gente rica, contrariada com a ascensão dos pobres, que – vejam só – ignoram o fato de que já não são pobres.
Os índices oficiais informam que o país já ultrapassou o estágio da recessão econômica; está em plena depressão e o fundo do poço ainda não chegou, avisam os economistas.
Desemprego como nunca se viu, inflação galopante, Estado quebrado pela soma letal de má gestão, roubalheira e malabarismos fiscais. Mas não há nada, diz o PT.
Estão presos em Curitiba dezenas de megaempresários, doleiros, lobistas e outros personagens que, ligados umbilicalmente aos governos do PT, delinquiram em parceria com políticos petistas e de partidos da base, como PMDB e PP.
Os números são estratosféricos. Só na Petrobrás já se apurou o desvio de R$ 42 bilhões. Graça Foster, quando a presidia, falou em R$ 88 bilhões. Fiquemos nos R$ 42 bilhões: é mais que o PIB do Paraguai – e quase o do Uruguai. Isso numa única estatal.
Aguarda-se a abertura das caixas-pretas da Eletrobras, fundos de pensão, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica, Dnit etc. Onde há um cofre público, houve rapina.
Um reles gerente da Petrobras, Pedro Barusco, devolveu 100 milhões de dólares. Era subordinado a Renato Duque, que obedecia ao comando de José Dirceu, na época o homem forte do governo Lula. Quanto sobrou para os chefes de Barusco?
No começo das prisões, os detidos mantiveram-se calados, negando tudo. Contavam com a intercessão de gente graúda do governo, nos padrões clássicos da impunidade brasileira. O governo, reconheça-se, esforçou-se para ajudá-los, mas sem êxito. Não contava com um juiz como Sérgio Moro e a turma da Lava Jato.
Quando se convenceram de que teriam o destino de Marcos Valério – cujo silêncio resultou em 40 anos de cadeia -, decidiram abrir o bico. As delações contam uma mesma história: uma ação criminosa de rapina aos cofres públicos, coordenada de cima para baixo, com Lula no comando e Dilma muito bem-informada.
Corrupção sistêmica, inédita, que, em tempo de Olimpíadas, confere ao país medalha de ouro e recorde mundial na modalidade.
O dinheiro serviu para abastecer campanhas eleitorais – a segunda de Lula e as duas de Dilma -, bolsos de políticos e contas secretas mundo afora. A solidariedade de chefes de Estado como Nicolas Maduro (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia) indica que também foram beneficiários desse colossal propinoduto.
O pedido de impeachment em exame conta a parte menos cruenta da chacina financeira – crimes administrativos, mas ainda assim crimes. Na época em que foi elaborado, já havia algumas delações, mas não se tinha tão nítido o conjunto da obra, que a OAB agora complementa com seu pedido adicional.
Não bastasse o que já se tinha, houve posteriormente os flagrantes de Delcídio do Amaral, líder do governo, que quis comprar o silêncio de um dos delatores, Nestor Cerveró, e oferecer-lhe um plano de fuga. Segundo contou, o fez a pedido de Lula.
A tentativa de obstruir a justiça, registrada de viva voz, rendeu-lhe prisão, inevitável cassação e o tornou delator. E o que delatou não poupa ninguém e foca especialmente em Dilma e Lula.
Como já antevia o potencial de desastre da fala de Delcídio, Aloizio Mercadante, o ministro mais intimamente ligado a Dilma, tentou evitá-lo. E repetiu o roteiro do próprio Delcídio, dispondo-se a pagar por seu silêncio. Acabou incidindo no mesmo flagrante.
Janaína Paschoal tem razão: sobram crimes. A expectativa de prisão de Lula gerou outra sequência de delitos, a que se filiou a própria Dilma: desacato ao Judiciário, incitação à violência e à desordem pública, tentativa de obstrução da justiça etc.
O slogan “não vai ter golpe” é, em si, criminoso, pois imputa ao STF, que ritualizou o impeachment e é o guardião da Constituição, o delito de afrontá-la. A Corte diz que não é golpe e a presidente e seu governo insistem: é sim. Qual o nome disso?
Os telefonemas gravados com autorização judicial expuseram, nos diálogos de Lula com Dilma e autoridades de seu governo, não apenas atos criminosos, mas um padrão moral degradado, incompatível com quem ocupa tais cargos.
Sobram crimes; falta memória para retê-los. O do dia obscurece o da véspera, que, por sua vez, obscureceu o anterior. Teme-se pelo que virá, pois, segundo os procuradores da Lava Jato, o que sabemos corresponde a apenas 30% do que há.
O conjunto da obra, no entanto, já forma uma unidade compacta. Para abarcá-la, é necessário algo como uma enciclopédia, cujos verbetes relacionem a vasta falange de personagens e atos. São muitos; sobram crimes.
Só assim, no futuro, será possível entender a extensão da tragédia cívica construída pelo PT – a Enciclopédia do Petrolão.
Em meio a isso, empenha-se o governo - contra o qual, segundo o Ibope, estão nada menos que 90% da população - em criminalizar a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal.
Trata-se de pornográfica inversão dos papéis: os criminosos julgam e o juiz é lançado ao banco dos réus.
Isto, sim, é golpe.
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