sábado, 2 de abril de 2016

Diário Oficial: Bíblia do PT (e Dilma) em tempo de impeachment

Muda o tempo, mudam os costumes e a história segue

Março, em especial na sua fronteira com abril, é mês de muitas e em geral amargas recordações para os brasileiros em geral, que cultuam a democracia e a liberdade de expressão, e para este jornalista, em particular, apanhado em uma operação da Polícia Federal dentro da sala de aula da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, no "mês 3", de 1969, e recolhido, algemado, a um quartel do Exército, no bairro do Cabula, em Salvador.

Fato, então, noticiado apenas pelo jornal Estado de São Paulo, (em discreta mas preciosa e talvez salvadora nota de uma coluna, enviada via telex, ao Estadão, pela corajosa e saudosa Zilá Moreira, correspondente do jornal na Bahia. "Amigos presos, amigos sumindo assim", na época em que a PF se dedicava a bisbilhotar reuniões políticas, censurar as redações da imprensa e a prender "estudantes subversivos" em luta de princípios contra a ditadura. A favor e em defesa das maravilhosas utopias da generosidade, paz e amor que então pontilhavam nas ruas, nas escolas, nas universidades, nos livros e nas canções. Na Bahia, no Brasil e no Mundo, os dias e o tempo eram assim, para sintetizar com os versos de Ivan Lins, que Elis Regina cantava.

Bem ao contrário - embora no março que se foi e no abril que começa tanto se fale em "golpe" - do que se vê e acontece atualmente: um País mais atento e atuante (pela imensa maioria de seus habitantes, como atestam as seguidas pesquisas de opinião divulgadas) acompanha e aprova o firme, diuturno e inteligente esforço da "Federal" - em conjunto com promotores do Ministério Público, e juízes do porte e da competência técnica e profissional de Sérgio Moro (Lava jato)- na investigação, prisão e julgamento de corruptos e malfeitores, a exemplo dos apanhados nesta sexta-feira, 1º abril na Operação Carbono 14, desdobramento da ação mater conduzida por Moro.

Gente que há anos age em escandaloso conluio de agentes públicos e privados, para saquear valiosos patrimônios nacionais, a exemplo da Petrobras, e promover rapinagem ou desvios monumentais em instituições financeiras e grandes empresas públicas. "Golpes fiscais" e pedaladas de governantes escatológicos e boca suja, que utilizam-se de bens da sociedade como se fossem suas propriedades. Do tipo das que agora podem custar o mandato da presidente petista Dilma Rousseff, como assinalou a advogada Janaina Paschoal em seu brilhante, vigoroso e didático discurso, quarta-feira, 30, na Comissão de Impeachment da Câmara.

Mas alto lá, não me venham com precipitadas conclusões, metralhadoras ou pedradas verbais, tão comuns e gratuitas, neste tempo de armas engatilhadas nas arquibancadas virtuais do Fla x Flu político em curso. À espera de desavisado oponente a ser impiedosamente abatido na primeira esquina de uma rede social qualquer. Ou (quem sabe?), mesmo em fortuito encontro de rua, lançamento de livro ou sarau corporativo em entidade de classe.

Não é nada disso, embora seja muito isso que você deve estar pensando, para usar o fraseado poético do famoso compositor baiano que dizia: "tudo é divino tudo é maravilhoso!”. Na verdade, o foco principal deste artigo é de tributo à memória de Raimundo Reis. Ex-deputado estadual e arauto nacional do antigo PSD, tribuno que fez história na Assembléia Legislativa e imbatível cronista do amor e do cotidiano da Bahia, nos anos 60/70 aos quais me refiro no começo destas linhas semanais de informação e opinião.

Nascido em 4 de março de 1930, na cidade de Santo Antonio da Glória, na margem baiana do Rio São Francisco, um dos núcleos principais onde agora se desenrola o enredo da esplêndida (até aqui) novela das 9h da TV Globo, "Velho Chico", Raimundo teria comemorado 86 anos no mês que passou.

Morto em dezembro de 2002, - quando Lula e o petismo começavam a imperar no Brasil, e a máxima de "não roubar e não deixar roubar" corria de boca em boca, de governantes que chegavam ao poder e de militantes que haviam tornado possível a façanha - o autor de "Geografia do Amor" e "Enquanto é Tempo" (entre outros livros notáveis) fez história em sua terra. Falou e escreveu muito (e bem), criou frases geniais e descreveu fatos e personagens inesquecíveis em seus discursos parlamentares e nas crônicas, publicadas durante décadas, no Diário de Notícias, Jornal da Bahia, A Tarde e IC Shopping News. Lidas, amadas e sempre esperadas por legiões de leitores, as mulheres em especial.

É de Raimundo Reis, por exemplo, originalmente, uma frase histórica e lapidar: "Entre a Biblia e o Capital (de Karl Marx), o pessedista fica com o Diário Oficial". Às vezes, o autor trocava na frase a Bíblia pela Rerum Novarum, a encíclica do papa Leão XIIIdo sobre a condição dos operários, mas o efeito e sentido não mudavam. A originalidade da máxima e do autor foi reconhecida em artigo político brilhante, assinado pelo jornalista Carlos Castello Branco, o Castelinho, no Jornal do Brasil.

Na mosca!.

Mas (foi dito no começo) o tempo passa e mudam os costumes, as pessoas, os políticos e o governo, na tentativa de salvar ruínas e fazer seguir tudo como está. Eis que o Governo Dilma (de Lula, Jaques Wagner e o PT) parece jogar de vez os velhos princípios às favas, e apostar quase todas as fichas na força histórica e avassalador do Diário Oficial da União.

Edições extras do DOU deram para circular agora depois do expediente oficial ou na calada da noite: para nomear Lula ministro chefe da Casa Civil (fato não consumado até agora), ou para o ministro da Fazenda, a mando de Dilma sob pressão, apressar assinatura de medida antecipando liberação de verbas orçamentárias, incluindo as de interesse de deputados e senadores. Sob as asas do Diário Oficial monta-se e opera-se, também, no Palácio do Planalto e na Esplanada dos Ministérios, o maior "shopping de barganhas" já visto, para salvar um governo e uma presidente em apuros.

Isso é que é um golpe de verdade. Ou não? Responda quem souber.

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