sábado, 20 de fevereiro de 2016

O pior possível

Um país quebra, mas não fecha. Se em crise, alguma saída há de encontrar, ainda que a pior possível. A política existe para evitar esse pior possível – golpes, guerras civis -, ainda que seja ela, a política, a causa da crise. É sempre causa e solução.

E é para isso que existe, já que conflitos são inerentes à condição humana e não deixarão de existir. O aspecto mais grave da crise brasileira é a resistência do governo a permitir uma saída política. Investe no conflito, tentando minar o jogo político, intervindo na economia interna do Judiciário, do Congresso e dos partidos – vide sua intervenção na escolha do líder do PMDB.

Investe, pois, no pior possível. Na medida em que as portas se fecham a uma alternativa política, civilizada – e isso pressupõe o governo reconhecer sua própria falência –, outras, perigosas e de consequências imprevisíveis (ou até previsíveis), se abrem.

O projeto político do PT, independentemente dos crimes que lhe são imputados pela Lava Jato, fracassou. O país acaba de receber a terceira desclassificação econômica por uma agência internacional de avaliação de riscos, acrescida de um viés de baixa – isto é, sem perspectivas de melhora.

Em termos concretos, significa mais evasão de capitais – e menos dinheiro, menos investimentos, menos empregos, mais crise social, mais necessidade de buscar saídas políticas.

É hora de quem está no poder admitir seu fracasso. E essa é a saída mais indolor para o país. Não há conspiração: não foi a oposição que fez as opções econômicas que levaram a esse desfecho. E não foi a oposição que levou o partido do governo, o PT, a sabotar o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e agora a se opor ao projeto da reforma da Previdência. E, no começo de tudo, a saquear a Petrobras e demais estatais.

A confusão está dentro, e não fora do governo. E reflete a falência de seu projeto de poder, que, além de não dispor de saídas para a economia, vê-se às voltas com os tribunais. Também aí vale-se do jogo truculento, ao arrepio das instituições e da lei.

A suspensão do depoimento de Lula a um procurador, em São Paulo, além da ilegalidade intrínseca ao ato, foi ornada com uma exibição de truculência típica de milícias nazifascistas. Lula, ano passado, já em meio a acusações graves de corrupção, avisou que iria “pro pau”. E mencionou dispor de um exército – o “exército do Stédile” – para enfrentar os adversários.

Ocorre que seu grande adversário, desde então, é a lei. As acusações que sobre ele pesam, com indícios consistentes (alguns veementes), em grande parte fornecidos por pessoas que com ele privavam desde quando estava na presidência da república, precisam ser respondidas.

Se é inocente, não há por que reagir como tem feito. Dispõe de um vasto leque de renomados advogados e, até que se prove o contrário, beneficia-se da presunção de inocência. E beneficia-se além da conta, já que até agora só depôs como testemunha e ainda não é oficialmente investigado, como, por exemplo, o é Eduardo Cunha, cujas denúncias são bem menos graves que as que pesam contra Lula e Dilma. Mas, se, apesar de tudo isso, parte para a ignorância das milícias, reforça apenas a presunção de culpa.

O que se viu em São Paulo, às portas do fórum de Barra Funda, na quarta-feira, foi um espetáculo de ilegalidades. Sindicalistas da CUT, militantes do PT, financiados por dinheiro público (o imposto sindical), vieram de várias partes do país, em ônibus fretados, agredir quem protestava contra a conduta de Lula – pouca gente, já que não houve convocação e era dia de trabalho.

As milícias de Mussolini e Hitler agiam assim – e deu no que deu. O modo como o governo tem agido, no tapetão em Brasília, não é diferente. E estimula a truculência miliciana, que é o avesso do jogo político civilizado. O que explica governadores, prefeitos e parlamentares – funcionários públicos, pagos pelo contribuinte – deixarem suas funções para se reunirem no Instituto Lula em busca de um meio de driblar o Código Penal e evitar que seu guru – ex-presidente e, portanto, cidadão comum – se explique perante o Judiciário? Outra ilegalidade. Milicianos de gravata.

Para onde esse enfrentamento conduzirá? Para o agravamento da crise - econômica, política, moral, psicossocial -, que, sem vislumbrar um conduto pacífico, poderá resultar no “pior possível”, já que alguma saída sempre haverá.

Um país quebra, mas não fecha. O Brasil quebrou. Resta saber que saída encontrará, já que não é possível fechá-lo.

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