São sempre os outros. Eles são os culpados. Para os jovens que abordaram Chico Buarque na saída de um restaurante, ele é “um merda”, pois apoia o PT. Os petistas são os outros. Para alguns petistas, os jovens supostamente de direita é que são os outros, são fascistas, pois xingaram Chico após um jantar privado com amigos. Sem dúvida, a atitude dos jovens é autoritária, desrespeitosa. Chico, que nem político é, sofreu injúrias num momento de lazer. Não dá. Não pode.
Mas não dá também para atribuir a quem é contrário ao PT exclusividade em atitudes desse tipo. Petistas às vezes agem de modo opressor e impositivo. Os eleitores de Marina Silva sabem bem. E, em 2014, o ministro Joaquim Barbosa foi hostilizado num bar. Cada caso é um caso: Chico não tem cargo político. Mas, por outro lado, defende sua posição partidária em público. O problema é que, quando os “nossos” fazem as mesmas coisas que os “outros”, não julgamos por um crivo igual. São dois pesos e duas medidas. Não dá. Não pode.
Importa pouco quem são os nossos e quem são os outros para entender o desafio político diante de todos. Importa mais perceber que a crítica está sempre voltada a só um dos grupos: o dos outros, claro. Diante do que ocorreu com Chico Buarque, apenas acusar os “playboys de direita” (se é que eles o são) não adianta. É preciso que os que não são playboys de direita possam identificar, também em si, atitudes similares. E que, isso feito, as repudiem não só nos outros.
Neste ponto, valeria desatrelar a política da moral. Não para desmoralizá-la pela corrupção de seu significado. Mas porque, no âmbito público, não se pode tratar os outros como se fossem o mal e os nossos como se fossem o bem. Isso é uma dualidade moral que diz respeito às intenções das pessoas. O jogo político é mais plural. Ele diz respeito às ações e às palavras. Não interessa o partido: quem age como se agiu com Chico é intrusivo e desrespeitoso com um cidadão.
Defender a vida democrática, nesse sentido, implica acolher a convivência com os outros, os que têm uma posição política diferente da nossa, sem que esses outros sejam considerados uns merdas, sem que eles sejam colocados do lado do mal. “Star Wars” é um ótimo filme, mas política mesmo não se faz apenas contra o lado negro da força. E nem tem jedi. Tem manipulação, interesse, corrupção. Tem briga contra isso, justiça, manifestação, disputa. Tem negociação.
Recentemente, todo mundo tem reclamado que o ódio impera na relação política entre as pessoas. Mas o tom da reclamação parece sempre imputar só ao outro esse ódio. Eu, não. Um pouco como ocorre com a corrupção: ela é sempre a do outro. Já a minha, esta é pequena, é sobrevivência, não tem jeito. O ódio é, ele também, sempre o do outro. Já o meu é justo; afinal, se dirige contra tudo que há de absurdo e errado. Novidade, minha gente: nem todo mundo concorda.
Vamos nos odiar por isso, dizer que os outros são uns merdas? Ou vamos suportar que a diferença institui a realidade democrática? Precisamos deixar de lado clichês, abandonar o gosto por escutar só o que já concordamos. Oposições de opinião não são xingamentos. Diálogo é falar e ouvir. Menos certeza faria bem ao ar político que respiramos. Menos ideologia, autoritarismo. De todos os lados. Política é a arte do dissenso — ao menos quando é democrática.
Pedro Duarte
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