Em primeiro lugar, o livro é um documento histórico – e nenhum Estado democrático tem o direito de censurar a história. Proscrever o texto, como a Justiça brasileira ameaça fazer, seria o equivalente literário de fechar à visitação o que restou dos campos de concentração na Europa. É importante não só que eles sejam conservados como também que sejam visitados por muitos, para que os horrores do Holocausto não se apaguem da memória coletiva.
A própria comunidade judaica se divide bastante quanto ao tema, mas o livro não é vetado nem em Israel nem na Alemanha.
Em segundo lugar, a obra depõe contra si mesma. "Mein Kampf" não passa de um amontoado de clichês antissemitas e anticomunistas que circulavam à época, expressos de forma verborrágica, repetitiva, raivosa e com fortes traços de paranoia. O estilo também é péssimo. O livro é tão obviamente errado que, ao menos no campo daqueles que estão dispostos a um debate público qualificado, sua leitura só enfatiza quão absurdo foi o fenômeno do nazismo.
Existem, é verdade, os grupos neonazistas e seus simpatizantes, para os quais novas edições da obra poderiam funcionar como incentivo. Ainda assim, penso que a proibição constitui um erro. Essa turma já tem à disposição na internet e de graça não apenas o panfleto hitlerista como material ainda pior. Não há como impedi-los de flertar com ideias estúpidas. O que o Estado democrático precisa fazer é assegurar, por meio da força se necessário, que não as colocarão em prática – e isso basta.
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