Já não havia mesmo quem ainda acreditasse na possibilidade de o governo conseguir acumular receitas acima dos gastos neste ano, mesmo na modesta proporção da meta oficial. As projeções dos analistas de conjuntura apontam para um déficit entre 1% do PIB e 1,5% neste ano, e há controvérsias entre eles se será possível obter algum saldo positivo em 2017.
Mantendo o péssimo desempenho registrado ao longo de 2015, as receitas federais continuaram a recuar em janeiro de 2016, e esse resultado negativo teria pesado para convencer o governo de que os cortes de gastos deveriam ser maiores do que o inicialmente previsto. Pode ser isso, mas também pode ser que o governo tenha estendido o prazo para decidir sem corda no pescoço o caminho mais palatável para aprovar no Congresso um novo déficit primário para 2016.
É de se esperar que o governo não insista na ficção de que conseguirá cumprir qualquer meta de superávit este ano. Sem reformas fiscais mais abrangentes, esta é uma inviabilidade não só técnica, como principalmente política.
Há problemas estruturais a resolver tanto do lado das despesas quanto no das receitas. As despesas públicas apresentam tendências explosivas, ao mesmo tempo em que as receitas, dependentes em cerca de 70% da massa de salários e das vendas no comércio, ambas em retrocesso, indicam trajetória de encolhimento.
As receitas públicas, afetadas pela recessão forte e prolongada, estão de fato em queda livre. Recuaram 5% em termos reais em 2015, somando queda real de 10% nos dois últimos anos e já entraram em 2016 com mais uma perda, sempre em termos reais, de 5% no mês sobre o mesmo mês no ano passado. A carga tributária só não tem recuado de modo mais acentuado porque o PIB também está andando de marcha a ré.
No lado das despesas, são pelo menos dois penosos obstáculos a serem superados. Um deles diz respeito à dinâmica insustentável dos gastos, com amplo destaque para a Seguridade Social — Previdência e assistência social —, que responde por metade das despesas primárias.
O outro tem a ver com o generalizado engessamento legal das destinações e com correções monetárias automáticas. Perto de 90% das despesas primárias federais se enquadra nesses casos.
Mesmo que nenhum desses complicadores estivesse presente, ainda assim, seria bastante complicado fazer do lado fiscal o que tem de ser feito, qual seja, produzir superávits em torno de 3% do PIB ao ano para pelo menos estabilizar a relação dívida pública/PIB.
Os déficits dos últimos anos, impulsionados também pelo longo ciclo de alta dos juros e de ações na área monetária para evitar maiores desvalorizações da taxa de câmbio, catapultaram a dívida pública bruta, que voou na direção de alcançar a marca 70% do PIB, quando se acendem os sinais de alerta vermelho da solvência, no caso de economias com o padrão da brasileira.
Nada nesse diagnóstico adverso é desconhecido. Em vários de seus aspectos, na verdade, já se formaram consensos. É hora, portanto, de optar pela transparência — o que significa deixar claro que, sem a tributação mais progressiva de rendas e patrimônios e a concomitante adequação de despesas às possibilidades de arrecadação, a necessária proteção dos socialmente mais frágeis acabará relegada aos baixos dos viadutos.
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