Se já começa por esse cara-durismo fundamental, de tapear uma determinação da Justiça, o slogan omite também que uma pessoa organicamente incapaz de tomar numa noitada mais do que uma vodca, duas taças de vinho ou três cervejas (dosagens alcoólicas equivalentes) não precisará ser aconselhada a "beber com sabedoria". E, ao contrário, se for tolerante ao álcool, não se embriagar com facilidade e não sofrer efeitos matinais adversos, não terá nenhum motivo para "beber com sabedoria".
Se a campanha antiálcool fosse para valer, os comerciais e as garrafas de bebidas conteriam a mesma literatura agressiva dos maços de cigarros, obrigados a informar que fumar leva ao câncer, ao enfarte e à brochice. Os anúncios de cigarros já foram banidos há muito, mas seria engraçado se, em seu apogeu na contracapa das revistas, em vez das advertências eles viessem com a recomendação "Fume com sabedoria".
"Beba com sabedoria" não está longe de "Jogue com responsabilidade", o slogan dos comerciais de apostas, igualmente descarado, porque também omite que a possibilidade de apostar à vontade pelo celular, bastando depositar na conta da bet o dinheiro da aposta, elimina qualquer perspectiva de responsabilidade —quem ganhar apostará de novo, para continuar ganhando; quem perder, a mesma coisa, para recuperar o prejuízo.
O antigo governador paulista Paulo Maluf, ao recomendar ao seu eleitor "Estupra, mas não mata", poderia ter acrescentado: "Estupre com delicadeza". E o atual governador, Tarcísio de Freitas, deveria recomendar à sua PM: "Mate com carinho".
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