sábado, 14 de dezembro de 2024

O bombardeio digital por terra, mar e ar

A “palavra do ano”, segundo o Dicionário Oxford, é brain rot — a deterioração intelectual pelo consumo indiscriminado de conteúdos superficiais, encontrados na internet. Não é um diagnóstico médico, mas questão de saúde cultural. A persistirem os sintomas — similares aos da depressão, da ansiedade, do TOC, da síndrome de burnout, do TDAH, das demências, do hipotireoidismo, da anemia e da insônia crônica —, não é um neurologista ou um psiquiatra que deve ser consultado, mas um técnico de informática. Porque o vírus da brain rot tem como transmissor o algoritmo — espécie de entidade obsessora, uma alma desencarnada digital que influencia os vivos, decidindo que conteúdos aparecem em seu feed.


Em tese, se você curte fotos de gatos, veria mais publicações da Cora Rónai ou anúncios de ração para felinos. Se é botafoguense, como eu, páginas sobre ansiolíticos se abririam automaticamente a cada partida. Juntando os dois interesses, a máquina de pubar cérebros — pilotada por Zuckerberg, Musk e Zhang Yiming — lhe sugeriria seguir Gatito, o veterano goleiro do glorioso Fogão. Mas não.

Mesmo para quem não tem qualquer interesse em tretas aéreas, o algoritmo forneceu uma overdose da saga da moça insultada e exposta por se recusar a trocar de lugar com uma criança. Caindo de paraquedas no embate entre a titular da janelinha e a mãe do birrento, uma passageira resolveu armar um palanque a bordo da aeronave. Talvez tenha farejado, ali, uma boa oportunidade de lacrar (e lucrar) no papel de justiceira. Armou e se deu mal, porque o wokismo de ocasião não colou — e o vídeo-denúncia acabou sendo um tiro no pé. Mas, de celular em punho, fez da pirraça um tema onipresente nas nossas conversas.

Pouco antes, foi a vez de a valorosa Marinha do Brasil fazer água. A pretexto de comemorar o Dia do Marinheiro, a arma que já nos deu Tamandaré, Barroso e João Cândido embarcou na canoa furada da defesa dos próprios privilégios. Para não ser torpedeado no corte de gastos (que atingiu em cheio Saúde e Educação), o cisne branco se fez de patinho feio. Os marujos se sacrificariam num mar de perigos enquanto os civis, esses folgados, apenas dançam, surfam, bebem, fazem ioga e brincam de videogame. Baita tiro n’água — e nós, que só nos lembramos da Marinha quando ela bota tanques fumegantes para desfilar no 7 de Setembro ou apoia golpe de Estado, ficamos sabendo (mesmo sem querer) que ela pode afundar mais ainda.

Em terra firme, por menor que seja a nossa disposição, cá estamos nós acompanhando o BBB em que se transformou o cotidiano das grandes cidades. Graças às câmeras corporais, a violência policial pode ser apreciada praticamente ao vivo e em cores. Principalmente a de São Paulo — o que obrigou o governador, muito a contragosto, a fazer uma correção de rota. (A Bahia é mais violenta, mas lá o governo é do PT, então a indignação não se aplica.) Câmeras de segurança também flagraram militante woke, em Belém, forjando acusação de agressão em carro de aplicativo e sacando a carta do racismo (sempre um tiro no escuro).

Nem é preciso ir atrás desses e de outros conteúdos. Eles nos alcançam, por terra, mar e ar, bastando que estejamos conectados à internet. Talvez não haja dosagens seguras para esse tipo de consumo. E não há cérebro que aguente.

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