É difícil acreditar que o “8 de janeiro” realmente aconteceu, tamanha a bizarrice. Qualquer pessoa com algum vestígio de sanidade – sim, elas existem -, em algum momento se perguntou: isso realmente aconteceu? Pessoas rezando para pneu, pessoas pedindo intervenção militar, pessoas adultas e pirracentas questionando o resultado da urna segundo a regra “se meu candidato vencer, a urna é honesta. Caso contrário, foi fraude”. Tudo muito inacreditável para o século XXI. Realmente, estamos vivendo um surto coletivo.
Pedro Sanchez, nos últimos dias, em importante discurso, resumiu a extrema direita como a ala que vai contra qualquer avanço social plausível e possível. “Vai ser bom para o povo? Então, sou contra. É inteligente? Então, sou contra”. E mais: qualquer medida minimamente benéfica é classificada como comunista. Esse é o binarismo imbecil e retrógrado no qual a direita extrema chafurda dia após dia. Vai contra os avanços sociais, contra as minorias, contra as evidências científicas comprovadas há séculos, vai contra as artes. O mais importante é ir contra, fazer barulho e espernear.
Relembrando: é essa extrema direita que passou os últimos anos falando que ‘bandido bom é bandido morto’. A categoria ‘bandido’, para essa gente, tem cor e endereço. Defecar no Supremo Tribunal Federal, quebrar um relógio do século XVII, depredar a sede do poder político institucional federal e se tostar sobre uma cama de explosivos com o nítido objetivo de promover um atentado terrorista, para eles, não são práticas de bandidos.
Essa é a gente orquestrada pelo covarde manda-chuva constipado. Ele não faz nada, nunca fez. Nunca teve peito para assumir nenhum de seus atos. Porém, ele fundou uma seita sem que isso fosse dito de forma transparente. A seita é maior que ele, até porque ele é minúsculo. A seita, embora desprezível, burra e desajustada, é grande. Ele faz com que façam por ele, como qualquer manda-chuva esperto e covarde. Na emergência, forja-se internação hospitalar. Com fotógrafos, sempre.
O manda-chuva, como todo mafioso, embora mais histérico, cafona, estúpido, rústico, deselegante, bravateiro, arruaceiro, marginal e incivilizado do que um mafioso que se preze, se porta como um arauto da retidão. Foi ele mesmo que matou centenas de milhares de pessoas por não acreditar em um método preventivo comprovadamente seguro. Como ele sempre consegue se superar, ainda debochou das mortes e das famílias. Foi esse mesmo mafioso que colocou toda e qualquer instituição de produção de conhecimento científico sistematizado em um patamar deplorável de descrédito. Foi esse mesmo gângster que colocou artistas falidos, esquecidos e sorumbáticos em seu entendimento de arte, dando a eles cargos estratégicos, pois a arte de verdade cuspiu esses artistas para o ostracismo, pois eles não servem mais. Para nada. É importante relembrar aqui a fala do constipado: “O Presídio de Pedrinhas é um spa”. Por que, então, o desespero pela anistia? É importante resgatar também um dado estratégico: todo e qualquer dono de seita precisa de um séquito de pessoas intelectualmente mortas.
Como todo idiota, a inconsequência foi convocada e respondeu à chamada de forma rápida. É bem provável que atos como rezar para pneus, criar fake News, se agarrar a um caminhão em movimento, marchar gritando (apesar da artrose), xingar o alto escalão do Judiciário tenham sido vistos como pequenas travessuras. A coisa começou a desandar quando viram que tais atos são criminosos. É claro que já sabiam disso, pois a extrema direita sem crime vira ar poluído ou adubo. A extrema direita é fundamentalmente criminosa. Se há algo a separar a direita e a extrema direita é o apreço desta pela marginalidade, delinquência e ilicitude. O que eles não sabiam é que outras pessoas também saberiam disso e fariam com que a seita pagasse pelos crimes cometidos. E não há outro caminho: criminosos serão tratados como tal. Talvez tenham se assustado por não se enxergarem nessa posição. Mas a vida é como é.
Para piorar, recentemente investigações descobriram que o golpe de Estado estava sendo planejado pelo alto escalão das forças armadas e pelo único presidente que foi incompetente a ponto de não conseguir reeleição desde a redemocratização do país. Mas convenhamos, que para matar pessoas e roubar joias ele leva algum jeito.
O Brasil tem como um de seus pilares sociopolíticos a punição exemplar, tal fato é inegável. O desfecho da revolta Felipe dos Santos, todo o cenário montado para o julgamento e execução de Tiradentes, os castigos aplicados a pessoas escravizadas, as operações policiais, esses e tantos outros eventos possuem a visibilidade como um de seus objetivos. Não é a punição, apenas. É a punição assistida. Isso vem desde que o Brasil é Brasil. E a luz no fim do túnel não aparece.
A extrema direita, flagiciosa e atroz, como sempre foi, defende tudo isso. É ela quem defende a execução de bandidos; é ela que, em caso de discordância, ordena que levemos bandidos para nossas casas se for para mantê-los vivos; é ela que compara presídio a hotel, mesmo sabendo que o sistema prisional brasileiro é uma fábrica de membros de facções criminosas por ser impossível querer melhorar naquelas condições degradantes. Tudo em nome de Deus. E, agora, ela chora pedindo clemência. Merece? Se uma pessoa pobre que furta comida ou fralda – o que está errado, diga-se de passagem – merece apodrecer na cadeia, segundo a própria extrema direita, o que merece uma turba desordeira, disforme e delinquente que trama um golpe de Estado em um país que nunca consegue respirar com calma por vivenciar, experimentar e construir uma democracia decente? O que esse povo merece?
A necessidade de refundação de um país guiado por princípios minimamente democráticos soa como urgência, apesar da vaguidão. O próprio conceito de democracia possui inconsistências e o que pode ser democrático para um, pode não ser para outro. Atravessamos – e continuamos atravessando – um período marcado pela presença de uma seita em escala nacional, com muitas das atrocidades mencionadas ao longo do texto aqui apresentado. A refundação exige que pilares sejam estabelecidos a partir da alteridade, a partir do outro. Isso colocaria fim a uma ideia cínica de que tudo pode ser liberdade de expressão. A ideia de uma única democracia em moldes liberais é tão obtusa quanto a sacralização de um pneu em frente a um quartel de alguma cidadezinha. Isso precisa ser revisto. O projeto de fortalecimento da democracia exige diálogo, exige apreço pela diversidade, exige respeito, exige observação e exige astúcia, atributos que nunca estiveram presentes na extrema direita. Sem anistia.
Giam C. C. Miceli
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