Trump é especialista em promessas vazias. Em 2016, uma peça central de sua campanha foi o “muro” pelo qual o México pagaria. No fim, não houve muro, quanto mais qualquer dinheiro do México. Desta vez ele prometeu reunir e deportar até 11 milhões de estrangeiros em situação irregular. A operação necessária para isso seria imensamente cara e polêmica. De fato, como exatamente muitos milhões seriam deportados e para onde?
Mais absurda é a sugestão de Trump de que, ao elevar as tarifas, ele poderia eliminar o imposto de renda. Isso é um completo disparate. Segundo um artigo acadêmico de Kimberly Clausing e Maurice Obstfeld, mesmo uma tarifa de 50% - o máximo para maximizar a arrecadação - geraria menos de 40% da receita proveniente do imposto de renda. A perda líquida de receita tributária enfraqueceria o financiamento dos programas dos quais seus eleitores, em grande parte mais idosos, dependem.
Uma segunda presidência de Trump poderia ser ainda pior que a primeira. A Suprema Corte declarou que, em suas “funções oficiais”, o presidente está acima das leis criminais. Ele se sentiria justificado e estaria em busca de vingança
No entanto, uma segunda presidência de Trump poderia ser ainda pior que a primeira. Em 2016, ele foi como o cachorro que alcançou o carro. Em sua ignorância, ele acabou contratando pessoas que não compartilhavam de seus objetivos nem de seus interesses. Hoje, o Partido Republicano consiste de seguidores fiéis que aceitam o que o “grande líder” define como verdade, como ele fez em relação aos resultados da eleição de 2020. O “Projeto 2025”, da Heritage Foundation, também produziu planos para subjugar o governo federal, enquanto a Suprema Corte declarou que, em suas “funções oficiais”, o presidente está acima das leis criminais. Ele se sentiria justificado e estaria em busca de vingança.
O que isso poderia persuadir Trump a fazer? Ele poderia elevar os já enormes déficits fiscais dos EUA e pressionar o Federal Reserve a manter as taxas de juros baixas. Se conseguisse nomear seguidores fiéis para comandar o Departamento de Justiça, as agências de inteligência e o Internal Revenue Service [IRS, o fisco americano], ele poderia processar inimigos percebidos sem restrições. Poderia justificar essas ações como um “toma lá da cá” pelas várias acusações justificadas contra ele próprio. Ele supostamente perdoaria os insurgentes de 6 de janeiro de 2021, que tentaram evitar a certificação dos resultados da última eleição. Com o controle sobre as Forças Armadas, ele poderia declarar lei marcial livremente. Mais amplamente, ele poderia usar a estrutura do governo dos EUA para exercer controle sobre partes do país vistas como independentes demais.
No âmbito externo, ele poderia implementar sua guerra comercial com poucas restrições, inclusive contra o Canadá e o México. Como comandante-em-chefe, ele poderia tornar os compromissos da Otan irrelevantes, simplesmente indicando sua falta de disposição em enviar tropas para combate. Ele poderia, mais uma vez, se retirar de todos os compromissos climáticos em um momento ainda mais delicado. Ele poderia tornar muito mais difícil o funcionamento de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Ele poderia apoiar a extrema direita em toda a Europa. Ele poderia (e provavelmente iria) abandonar a Ucrânia.
Ao considerar todas as implicações para o mundo, é preciso distinguir os efeitos diretos dessas ações dos indiretos de seu retorno. Estes últimos seriam, acima de tudo, o encorajamento aos populistas de direita que buscam o poder, especialmente na Europa. Com os EUA, o grande bastião da democracia no século XX, sob controle autoritário, haveria uma oscilação no equilíbrio global contra a democracia liberal, não só em termos de poder, mas também em termos de credibilidade ideológica. Afinal, os EUA têm sido o modelo, embora imperfeito, para grande parte do mundo de uma ordem democrática governada por leis. A escolha de Trump pela segunda vez importaria muito.
Trump é no mínimo “fascista” e pode ser chamado de fascista de forma convincente. Em entrevistas ao “The New York Times”, John Kelly, ex-general dos fuzileiros navais dos EUA que foi seu chefe de gabinete por mais tempo, é citado como afirmando que em sua opinião, “Trump atendia à definição de fascista, governaria como um ditador se pudesse e não tinha entendimento da Constituição ou do conceito de Estado de Direito”. Além disso, Trump “nunca aceitava o fato de que não era o homem mais poderoso do mundo - e por poder, quero dizer a capacidade de fazer tudo o que ele quisesse, no momento em que quisesse”.
Para Timothy Snyder, um importante historiador das décadas de 30 e 40 na Europa, o fascismo é “um culto da vontade sobre a razão; é a vida dentro de uma Grande Mentira; é uma transformação da política em um culto a um líder que conta uma Grande Mentira e que é capaz de se estabelecer como a pessoa cuja vontade deve dominar a sociedade”.
A isso, acrescenta Anne Applebaum, outra especialista renomada, Trump descreveu seus adversários como “vermes”, mais uma vez uma característica da retórica fascista (e stalinista). As recentes “calúnias de sangue” sobre haitianos como comedores de animais de estimação se encaixam na difamação fascista de algumas pessoas como subumanas.
Os erros cometidos pelo governo Biden ajudam a explicar a popularidade de Trump, notavelmente sua incapacidade de controlar a imigração. Mesmo assim, é difícil entender o abandono dos princípios fundamentais do grande experimento americano de governo republicano. Grande parte do sucesso dele se deve aos precedentes criados por seu fundador, George Washington.
Como Tom Nichols observa na “The Atlantic”, Washington serviu como presidente por dois mandatos e depois foi para casa. Trump é o anti-Washington. Onde Washington era conhecido por sua probidade, Trump é conhecido pelo oposto.
Este é, então, um momento verdadeiramente decisivo.
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