Sempre me incomodou tropeçar com a palavra violência na expressão “não-violência”. A inexistência de uma palavra simples, na maior parte das línguas, capaz de definir um pacifismo ativo, capaz de impor serenidade e devolver a lucidez aos conflitos, diz muito acerca das limitações morais do ser humano — ou, pelo menos, das limitações morais das civilizações geradas pela nossa espécie.
A história da Humanidade é uma história da violência. Tenho a certeza, contudo, de que em todas as épocas, em todas as sociedades humanas, terá havido pessoas como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Nelson Mandela ou Jesus Cristo, para as quais o recurso à violência traduz um colapso da inteligência, da Justiça e da racionalidade. Essas pessoas, por poucas que sejam, seguram os frágeis fios do nosso destino comum.
Enquanto os pacifistas comemoravam o dia da não-violência, a guerra entre Israel e os palestinos; entre Israel e o Líbano; entre Israel e o Irã, entrou numa fase ainda mais assustadora.
Poucas horas após o Irã ter atacado Israel com mísseis balísticos, sem consequências graves, o governo de Benjamin Netanyahu declarou Antônio Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, persona non grata, proibindo a sua entrada no país. Imagino que Guterres, antigo dirigente do Partido Socialista português, um homem plácido, discreto, que até agora nunca fora capaz de despertar paixões fortes, tenha acolhido a notícia com certo orgulho. Ser atacado por alguém como Netanyahu é quase um prêmio.
Benjamin Netanyahu e Ali Khamenei são incêndios convergentes. O desvario de um alimenta e justifica o do outro. Há anos que Netanyahu ambicionava envolver o Irã num conflito de grandes proporções, arrastando para o mesmo o seu principal aliado — os EUA. Tudo indica que, finalmente, terá êxito. Uma guerra ampla convém a Netanyahu, que dessa forma consolidará a sua posição no poder, adiando os inúmeros problemas com a Justiça por acusações de corrupção. Milhares de pessoas estão morrendo para evitar a prisão de um único homem.
O conhecido jornalista israelense Gideon Levy alertou há poucos dias, numa entrevista ao canal Democracy Now!, para o crescente isolamento e enfraquecimento do seu país: “Toda essa mentalidade de bombardeio e bombardeio, que dura já um ano, recusando qualquer tipo de diplomacia, isso não garantirá a segurança de Israel, sem falar no preço que o outro lado está pagando. Mas mesmo a segurança de Israel não vai melhorar. Agora estamos em uma situação menos boa do que há um ano. Posso te dizer que, em Tel Aviv, estamos mais assustados do que há um ano.”
Mais de 500 mil judeus israelenses abandonaram o país desde o horrível massacre de 7 de outubro. Imagino que esses, os que estão saindo, serão aqueles que se opõem à atual dinâmica de violência. Vozes pacifistas, como a de Gideon Levy, são cada vez mais raras em Israel — embora tão necessárias. Temos pela frente dias muito sombrios.
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